Ele mobilizou discussões sobre o que é ser homem de verdade; mas não é sobre machismo e patriarcado versus feminismo; é sobre ser forte e corajoso
Na semana passada a atenção das redes sociais se voltou para o ato de coragem e altruísmo de um garoto de apenas seis anos de idade. Bridger Walker se colocou à frente de um cachorro que ameaçava atacar a irmã mais nova, de quatro anos. “Eu pensei que se alguém tivesse que morrer, deveria ser eu”, disse mais tarde. O ataque aconteceu no dia 9 de julho, em Cheyenne, no estado de Wyoming, Estados Unidos. O pequeno Walker teve que passar por cirurgia plástica, levou cerca de 90 pontos no rosto e passa bem. Poderia ter sido pior. Entretanto, graças à prática de atividade extracurricular, o garoto utilizou algumas técnicas de defesa aprendidas nas aulas de artes marciais e conseguiu proteger o pescoço de uma possível mordida mais grave.
Em seu ato heroico, Bridger Walker gritou para que a irmãzinha corresse e conseguiu evitar que ela se machucasse. Ele disse ainda que agiu como “Os Vingadores” (super-heróis da Marvel, que protegem pessoas em perigo).
Só tivemos conhecimento dessa história porque a tia das crianças, Nicole Noel Walker, postou o relato no Instagram, e o post viralizou porque as pessoas o compartilharam marcando os nomes dos atores de “Os Vingadores” e eles responderam – o que fez a história repercutir pelo mundo. Na imprensa, a notícia foi sobre a atenção das celebridades. No Instagram, Nicole escreveu: “Nós amamos nosso menino corajoso, e queremos que outros super-heróis saibam sobre o mais recente super-herói que se juntou ao grupo.” Segundo atualizações da tia, a recuperação está ótima e o astral e a personalidade incrível do sobrinho estão intactos. Isso significa que o trauma foi apenas na carne, sem autopiedade.
Antes que se pergunte, os donos do cachorro decidiram sacrificar o animal e têm prestado toda a ajuda a Bridger. Não há ressentimentos. “O amor entre nossas famílias apenas aumentou depois do acidente”, atualizou Nicole.
A MÍDIA
Estamos falando sobre essa história porque saiu na imprensa internacional. Mas não foi o ato de coragem do menino, por si só, que mereceu ganhar a mídia, e sim o glamour do apoio das celebridades. “Cris Evans manda vídeo para menino que salvou a irmã…”. Você confere rapidamente várias manchetes anunciando vídeos e mensagens dos atores, todas semelhantes. Uma pena que tenha sido necessária a atenção de celebridades para que um exemplo de tamanha bravura chegasse ao conhecimento da sociedade.
Embora seja interessante e simpática, a notícia não é que o Homem-Aranha convidou o menino para participar das filmagens do seu próximo filme em homenagem ao ato de bravura. Não é sobre quanto “Os Vingadores” e outros personagens foram atenciosos com o menino corajoso. É sobre a atitude, o amor sublime e altruísta que merece ser exemplo. E por acaso os atores que fazem os super-heróis de que ele gosta foram atenciosos e valorizaram isso. A imprensa inverteu a hierarquia. Percebe a diferença?
OS VINGADORES
Como resultado da viralização, Bridger Walker recebeu elogios de Mark Ruffalo (Hulk), Chris Evans (Capitão América), Tom Holland (Homem-Aranha), Chris Hemsworth (Thor), (Homem de Ferro) que interpretam super-heróis em filmes da Marvel, entre outros.
O “Homem-Aranha” telefonou e convidou Bridger para assistir às gravações do próximo filme, enquanto o “Homem de Ferro” prometeu uma surpresa para o aniversário de sete anos, e o Capitão América disse que vai enviar um escudo autêntico ao pequeno herói.
HULK (Mark Ruffalo): “Querido Bridger, acabei de ler o que aconteceu com você e queria dizer algo. As pessoas que colocam o bem-estar dos outros à frente do seu próprio são as mais heroicas que eu conheço. Eu respeito e admiro verdadeiramente sua coragem e seu coração. Coragem de verdade não é dominar uma pessoa ou lugar, ou alguém que anda por aí como um cara durão. A real coragem é saber o certo a se fazer e fazer o certo, mesmo que isso acabe te machucando de alguma forma. Você é mais homem que muitos que eu vi ou conheci.”
CAPITÃO AMÉRICA (Chris Evans): “Essa é uma mensagem para o Bridger. Olá, aqui é o Capitão América! Como você está, colega? Eu li a sua história e vi o que você fez. Eu sei que você ouviu muito isso nos últimos dias, mas deixe eu dizer de novo: cara, você é um herói. O que você fez foi tão corajoso, tão altruísta. Sua irmãzinha tem muita sorte em ter você como irmão mais velho. Seus pais devem estar muito orgulhosos de você. Eu vou achar seu endereço e te mandar um escudo autêntico do Capitão América, porque você merece. Continue sendo o homem que você é, nós precisamos de pessoas como você. Aguenta aí. Eu sei que a recuperação pode ser difícil, mas baseado no que eu vi, acho que não tem muito que possa te parar.”
Esses dois depoimentos explicam com clareza o verdadeiro significado da bravura do garoto homenageado: a verdadeira coragem é fazer o que é certo, sem transformar isso em masculinidade tóxica. Não é sobre patriarcado x feminismo/machismo x igualdade de gênero. É sobre não ser o irmão que bate na irmã, e sim ser o irmão que ama e protege sua família.
O INSTINTO DO AMOR CRESCE NO RESPEITO
Para Rodrigo Quintão, CEO da Escola de Pais Mundo em Cores, o comportamento do pequeno Walker mostra que ele tem liberdade para fazer o que acredita, “e isso é raro. Normalmente as crianças são podadas de tomar decisões e de ter atitudes no dia a dia. A criança cresce sem saber tomar decisões não autorizadas e acaba se retraindo, se tornando uma pessoa sem atitude. Esse menino, não. Na hora certa ele soube tomar uma atitude altruísta”. Para o estudioso da educação infantil e educador de pais, para crianças até a idade de Bridger, é seguro inferir que a atitude que o menino foi capaz de tomar tem a ver com sua educação e a dinâmica de sua família. Autonomia, encorajamento, o amor e o instinto de proteção certamente fazem parte da vida dele.
Quintão explica que a base da educação infantil é ensinar a criança a respeitar a si mesma e aos outros seres vivos. Você educa uma criança para que ela saiba
interagir com o mundo sem destruir, sem gerar riscos para si mesma nem para os outros – e isso inclui vida e propriedade. “É com base nesse princípio do respeito que se desdobra todo o resto. Isso ajuda a ter discernimento sobre o que é certo e errado, discernimento instintivo para saber o que deve ser feito e o que não deve ser feito, de forma natural.”
ESPORTE AJUDA A TER CORAGEM E FORÇA
Mãe de dois meninos e emocionada com a história de Bridge, quando teve conhecimento de que Bridge utilizou algumas técnicas de autodefesa aprendidas nas aulas de artes marciais, a jornalista Cristiane Guariba decidiu rematricular seu filho João nas aulas de Taekwondo. “Por ser um esporte de combate, eu estava achando um pouco violento. Mas depois de saber que, bem direcionado, pode ser tão importante e ajudar a definir o resultado de uma situação, assim que possível ele voltará para essas aulas.”
Rodrigo Quintão explica que a prática esportiva também contribui para desenvolver força, a pessoa fica mais valente porque se conhece melhor e isso ajuda a ter coragem. “Educar uma pessoa forte e corajosa é muito mais do que ensinar a fazer uma coisa aqui e ali. É você criar a criança para que ela seja ela mesma. E é isso que podemos ver no Bridge. Ele decidiu proteger quem ele ama porque foi capaz de ser ele mesmo, livre dos medos que não deixam sermos quem devemos ser”, conclui o educador.
DEIXE O MENINO SER MENINO
Como ensinar força e coragem para crianças que crescem em um mundo em que o lazer e as brincadeiras são totalmente passivos por meio de telas?
As famílias que se interessam em produzir cidadãos úteis para a sociedade, homens e mulheres de honra, precisam deixar os meninos ser meninos. E isso não se aprende em uma tela. Passar horas e horas no celular, tablet ou televisão é o jeito mais fácil de impedir que a criança seja criança, que se conheça, que pratique bondade e altruísmo, que saiba tomar decisões.
Estamos ensinando bondade, altruísmo e sabedoria para tomar decisões importantes? Nosso lar tem sido um ambiente onde todos praticam respeito, desenvolvem a coragem e o cuidado amoroso entre os membros da família?
Nos livros de histórias sobre príncipes e princesas, o menino protege a menina – nunca bate nela. Trata com respeito, não grita com ela. E nunca age como se fosse ela.
“Seja forte e corajoso!” (Josué 1:9)
(Débora Carvalho | @debcaroli, jornalista empresarial na BeeView – Arquitetura das Palavras)
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