Que tipo de vinho Paulo pediu que Timóteo bebesse?

Gostaria que me explicassem 1 Timóteo 5:23, onde Paulo dá um conselho a Timóteo para que bebesse “um pouco de vinho”. É apenas suco de uva ou é vinho alcoólico? – O.C.

uva

Esse texto paulino tem sido frequentemente usado por aqueles que desejam fazer a Bíblia apoiar o consumo de bebidas alcoólicas. Alguns chegam a dizer que o problema seria a ingestão de “muito” vinho, ao passo que apenas “um pouco” não seria problema. Mas o que realmente Paulo teria aconselhado Timóteo a fazer? Primeiramente, deve-se notar o contexto no qual está inserido o texto (lTm 5:23). Ele está na seção “Conselhos”, que vai de 1 Timóteo 4:7-5:23, sendo o último verso de uma série de conselhos dados pelo apóstolo Paulo. No caso do que foi dado a Timóteo, vê-se que se trata de uma recomendação a alguém com problemas de estômago e acometido por outras enfermidades não mencionadas. Então, o conselho tem que ver com uma situação médica e um doente, e não com os membros da igreja indiscriminadamente.

Há basicamente duas hipóteses quanto ao vinho recomendado para as enfermidades de Timóteo: (1) seria vinho alcoólico; (2) seria vinho sem álcool, o puro suco de uva. Às vezes, uma palavra no idioma original ajuda a esclarecer determinado texto bíblico, mas tal não acontece com 1 Timóteo 5:23, onde “vinho” é tradução da palavra grega oinos – palavra que tanto pode indicar vinho com álcool quanto vinho sem álcool.

Analisemos a primeira hipótese, a de que o vinho fosse alcoólico. Essa hipótese estaria de acordo com uma ideia do tempo de Paulo, a de que o vinho fermentado era um medicamento útil na cura de várias doenças (R. N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado, v. 5, p. 341). Se se tratasse de vinho fermentado, a ser ingerido como remédio, o conselho se assemelharia ao que aparece em Provérbios 31:6: “Dai bebida forte [shekar] aos que perecem e vinho [yaín] aos amargurados de espírito.” Esses que estavam “perecendo” (doentes terminais), certamente estavam “amargurados de espírito”, ou seja, preocupados consigo mesmos e com o futuro de seus familiares, e deviam tomar alguma coisa que lhes anestesiasse a dor. Note que também aqui o conselho é dado a doentes, e não a pessoas sadias.

Passemos, agora, à segunda hipótese: o vinho seria sem álcool, o puro suco de uva. Essa hipótese levanta um questionamento, o de que Timóteo já devia ter o costume de beber suco de uva não fermentado, pois ele não é condenado pela Escritura. Se aceitamos a hipótese de que o vinho recomendado por Paulo era sem álcool, então Timóteo devia estar seguindo uma dieta do tipo “nazireu”, ou seja, não beber nem comer nada que viesse da videira, como a prescrita em Números 6:3: “Abster-se-á de vinho e de bebida forte; não beberá vinagre de vinho, nem vinagre de bebida forte, nem tomará beberagens de uvas, nem comerá uvas frescas nem secas.” Se for esse o caso, Timóteo devia estar sendo influenciado pelos hereges gnósticos, com suas regras ascéticas e dietéticas (ver lTm 4:3; Cl 2:21-23), seguidas para impressionar os demais membros da igreja. Paulo os denuncia como tendo “aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético” (Cl 2:23). Paulo, então, estaria dizendo a Timóteo que suco de uva seria benéfico ao seu estômago, de preferência à água muitas vezes de qualidade duvidosa e contaminada, como acontecia naqueles dias. “Nos dias de Paulo, como agora, a água em muitas localidades não era segura para uso. Doenças físicas, como a disenteria, frequentemente estavam relacionadas com água contaminada, sendo de comum ocorrência. Consequentemente, outras maneiras de matar a sede eram frequentemente recomendadas” (Seventh-day Adventist Bible Commentary, v. 7, p. 314). Nesse caso, vinho (suco de uva) seria preferível à água impura (J. N. D. Kelly. 1 e 2 Timóteo e Tito, p. 123). Ellen White concorda com essa segunda hipótese. Note suas palavras:

“Bebidas fermentadas confundem os sentidos e pervertem as capacidades do ser. […] Vinho fermentado não é um produto natural. O Senhor nunca o produziu e nada tem que ver com sua produção. Paulo orientou Timóteo a tomar um pouco de vinho por causa de seu estômago e de suas frequentes enfermidades, porém se tratava de suco de uva não fermentado. Ele não aconselharia Timóteo a usar o que o Senhor havia proibido” (Signs of the Times, 6 de setembro de 1899, 2º parágrafo).

Como vimos, se Paulo tivesse recomendado vinho alcoólico a Timóteo, estaria receitando um remédio (ao menos se pensava assim em sua época) a alguém doente. E isso não deve servir de justificativa para seu uso por alguém sadio. Se, ao contrário, Paulo recomendou suco de uva não fermentado, teve o propósito de que Timóteo evitasse água contaminada, que agravaria ainda mais seu problema de estômago e suas “frequentes enfermidades”. Em conclusão, dizemos que seguro mesmo é ficar longe das bebidas alcoólicas. A Bíblia as descreve como “alvoroçadoras” (Pv 20:1), causadoras de ais, pesares, rixas, queixas, feridas sem causa, olhos vermelhos (23:29).

(Ozeas C. Moura, Revista Adventista, dezembro de 2009)

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