Uma igreja para desigrejados e desapontados

Alguns abandonam as instituições em busca de “liberdade”, outros mudam de igreja atrás de relevância. Como alcançar essas pessoas?

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Dados do Censo do IBGE mostram que existem grupos que se dividem quando o assunto é a “não religião”. Há os sem-religião ateus (3,98%); os sem-religião agnósticos (0,87%); e os que apenas não têm uma religião (95,15%), mas nem por isso são adeptos do ateísmo ou do agnosticismo. No Censo de 2010, os sem-religião eram 8% da população brasileira, ou mais de 15 milhões de pessoas. Conforme constatou a reportagem da BBC “Jovens ‘sem religião’ superam católicos e evangélicos em SP e Rio , esse percentual vem crescendo década após década: os sem religião eram 0,5% da população brasileira em 1960, 1,6% em 1980, 4,8% em 1991, e 7,3% em 2000. “As primeiras pesquisas Datafolha de 2022 mostram que, em nível nacional, 49% dos entrevistados se dizem católicos, 26% evangélicos e 14% sem religião – já acima dos 8% sem religião identificados no último Censo. Entre os jovens de 16 a 24, o percentual dos sem religião chega a 25% em âmbito nacional. […] Em São Paulo, os jovens de 16 a 24 anos que se dizem sem religião chegam a 30% dos entrevistados, superando evangélicos (27%), católicos (24%) e outras religiões (19%). No Rio, os sem religião nessa faixa etária chegam a 34%, também acima de evangélicos (32%), católicos (17%) e demais religiões (17%)”, informa a matéria.

Um dos testemunhais da reportagem é o de uma jovem de 21 anos, que escreveu numa rede social: “Eu não tenho religião, sempre fui totalmente pura a isso. Eu acredito em tudo, primeiramente em Jesus, o único Deus todo-poderoso. Também acredito em entidades, que me ajudaram muito e sempre que puderem vão me ajudar… Acredito em energias, no universo…” Ela mora na Zona Norte do Rio e tem parte da família evangélica, a mãe que frequenta a umbanda, e um irmão de 24 anos que, como ela, não segue uma religião, mas acredita em Deus. A pergunta que se ergue com uma fala dessas é: Que Jesus ela segue? O da Bíblia ou o idealizado por ela, já que o da Bíblia nada tem que ver com “entidades” e “energias”?

Regina Novaes, pesquisadora do Instituto Superior de Estudos da Religião, constata: “Havia uma ideia de que, com o passar do tempo e o avanço da secularização [processo através do qual a religião perde influência sobre as variadas esferas da vida], haveria um aumento das pessoas que se desvinculariam da fé, do sobrenatural. Mas isso não está acontecendo. O que está acontecendo são outros modos de ter fé.” O pluralismo religioso e o sincretismo, por exemplo.

A Revista Adventista deste mês traz uma entrevista com o pastor e doutor em Missão Mundial Jolivê Chaves exatamente sobre o assunto “desigrejados”. Segundo ele, que pesquisou o tema em seu PhD pela Andrews University, “cada vez mais a experiência religiosa leva muitos a transitar por diversas denominações, desde as tradicionais até as contemporâneas. O compromisso religioso e as normas bíblicas são deixados de lado em troca de benefícios. Com isso, há um crescimento do crer sem pertencer”.

O Dr. Jolivê descreve o tipo de religiosidade que favorece o crescimento do fenômeno dos sem-igreja: existencialista, relativista, sentimentalista, subjetiva, embasada em gostos pessoais e não mais nos preceitos bíblicos.      

Na matéria da BBC, é dito que os jovens ocupam seu tempo engajados em atividades de lazer e entretenimento – o funk, o hip hop, blocos e escolas de carnaval, e por aí vai – que muitas vezes entram em conflito com orientações comportamentais e morais das igrejas cristãs mais conservadoras. Eu acrescentaria produções da indústria cultural pop, como filmes e séries cujos conteúdos estão em franca oposição aos princípios bíblicos, criando uma ruptura espiritual e um enfraquecimento moral na vida daqueles que consomem essas coisas, de tal forma que, com o tempo, perdem o discernimento e acabam chamando ao bem de mal e ao mal de bem (Isaías 5:20). Para Silvia Fernandes, da UFRRJ, isso ajuda a explicar também por que os “sem religião” estão em maior número nos grandes centros urbanos, como Rio e São Paulo.

O artigo “Evangelicals find themselves in the midst of calvinism revival”, publicado no New York Times, mostra que um fenômeno curioso vem ocorrendo nos Estados Unidos, e que revela o cansaço desse pluralismo todo; dessa religiosidade sem lastro e meramente emocional e humanista. Segundo a matéria, jovens evangélicos estão migrando para igrejas mais tradicionais, em busca de sermões bíblicos e orientação espiritual. Parte da atração do calvinismo é certamente porque ele representa uma alternativa completa à teologia superficial e feita para agradar o consumidor que predomina em muitas igrejas. Nessas igrejas self-service, a doutrina é descartada como irrelevante, a Bíblia é utilizada como um manual de autoajuda semi-inspirado, e a adoração é substituída por várias formas de entretenimento.

Portanto, parece que dois caminhos ficam evidentes e se apresentam como alternativa para esta geração: (1) abandonar as igrejas institucionais e adotar uma religiosidade pessoal sincretista ou não, ou (2) buscar uma igreja que leve a sério a Palavra de Deus e os valores cristãos. Não é possível coxear entre um e outro, achando que pode conciliar Jesus com entidades, cristianismo com evolucionismo/feminismo/marxismo/dominionismo e outras pseudofusões. Na verdade, não é preciso hesitar, quando já temos orientação inspirada sobre isso:

“Deus nos chama a um reavivamento e uma reforma. As palavras da Bíblia, e da Bíblia somente, deveriam ser ouvidas do púlpito. Mas a Bíblia tem sido despida de seu poder, e o resultado é ausência de vigor espiritual. Em muitos sermões de hoje não existe aquela manifestação divina que desperta a consciência e traz vida à alma. Os ouvintes não podem dizer: ‘Não estava queimando o nosso coração, enquanto Ele nos falava no caminho e nos expunha as Escrituras?’ (Lc 24:32). Muitos estão clamando pelo Deus vivo, ansiando pela presença divina. Permitam que a Palavra de Deus fale ao coração deles. Deixem que os que têm ouvido apenas tradições, teorias e ensinos humanos ouçam a voz dAquele que pode renová-los para a vida eterna” (Ellen G. White, Profetas e Reis, p. 626).

Pensando que as pessoas estão cansadas da “religião tradicional”, alguns líderes religiosos (mesmo adventistas) estão testando fórmulas que não deram certo em outros lugares e, na verdade, levaram a naufrágios na fé. Tentando ser “descolados”, abraçam “tradições, teorias e ensinos humanos”, enquanto relativizam a Bíblia Sagrada e adotam hermenêuticas satanicamente criadas justamente para despir a Palavra de seu poder. Igrejas que pregam mais ideologias humanas do que a Bíblia são fábricas de desigrejados e ateus funcionais. É só observar o que já aconteceu e está acontecendo em outros países e outras denominações.

O que faremos como igreja? Tanto os desigrejados quanto os jovens cansados de religiosidade vazia querem a mesma coisa: acolhimento, relacionamento, transparência e seriedade por parte das instituições e dos líderes, e, sobretudo, a relevância de uma mensagem doutrinariamente sólida que vem transformando vidas há muitos séculos.

Permita-me compartilhar parte do meu testemunho:

Por defender ideias e crenças diferentes, trinta anos atrás fui convidado a me retirar da igreja na qual nasci e da qual fui líder. Graças a Deus, fui acolhido na Igreja Adventista, onde encontrei uma mensagem bíblica sólida e uma prática condizente com a pregação.

Conheci amigos e irmãos de fé imperfeitos como eu, mas que têm a esperança de em breve ver Jesus; e, enquanto aguardam, procuram levar o maior número de pessoas aos pés Dele. Lendo sobre a vida dos pioneiros, vi histórias semelhantes à minha.

A família Harmon teve que deixar a Igreja Metodista. Tiago White e José Bates também tiveram que abandonar a denominação a que pertenciam. Guilherme e Johanna Belz deixaram o luteranismo. Esses e muitos outros foram acolhidos na Igreja Adventista.

De certa forma, o adventismo é um movimento religioso composto por muitos desigrejados unidos pela mesma crença e pela mesma paixão. Estou aqui porque ouvi a voz do Pastor (João 10:27), e quero fazer o meu melhor para receber as ovelhinhas que, como eu, vão chegando.

Michelson Borges

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