Doutoranda muçulmana defende erro da Terra plana

terra redondaEscândalo no mundo universitário árabe: uma estudante de doutorado tunisiana estava prestes a defender uma tese de doutorado afirmando explicitamente que a Terra tem apenas 13,5 mil anos, é plana e imóvel no centro do universo. E ela não parou por aí: ainda defende que a nossa galáxia é a única que existe, que o Sol tem 1.135 quilômetros de diâmetro (e não 1,4 milhão de km), que a Lua tem apenas 908 km de diâmetro, e que as estrelas, cujo número é “limitado”, não passam de 292 km de diâmetro. É um verdadeiro strike em tudo que a ciência nos ensina sobre o universo. Copérnico, Galileu, Newton, Kepler, Einstein, Hubble, Lemaître, toda a cosmologia, a geologia [a geometria e a óptica] e sabe-se mais o quê, tudo isso é negado pela tese que por pouco não teve o feliz desfecho de sua aprovação. O astrofísico Nidhal Guessoum explica que a tese levou cinco anos para ficar pronta e passou por uma primeira fase de aprovação; a próxima seria a defesa propriamente dita. Foi aí que um ex-presidente da Associação Astronômica Tunisiana botou as mãos no texto e tocou a sirene, colocando no Facebook trechos da tese. A autora já tinha publicado um artigo em uma revista obscura, dessas em que, segundo Guessoum, basta pagar para conseguir a publicação.

Guessoum, que é uma das vozes mais importantes no diálogo entre ciência e fé no mundo islâmico, lembra que dois anos atrás um clérigo muçulmano saudita deu uma palestra nos Emirados Árabes Unidos defendendo mais ou menos as mesmas coisas que estão na tese da doutoranda tunisiana. Isso já era suficientemente preocupante, mas este caso é muito pior, pois estamos falando da divulgação desse tipo de loucura no ambiente acadêmico. A estudante propôs a tese, ela foi aceita, teve orientador, publicou artigo (ainda que em uma publicação de pouco crédito), enfim, é o caso clássico do jabuti na árvore, ele não subiu lá sozinho.

O astrofísico afirma, usando trechos da conclusão da tese de doutorado, que este é um caso clássico de literalismo escriturístico extremo, em que alguns trechos do Alcorão toscamente interpretados passam por cima de toda a ciência desde o século 16 e até antes disso, já que desde os antigos gregos se conhecia a circunferência da Terra, dado reforçado inclusive pelos muçulmanos durante a Era de Ouro da ciência islâmica. A dúvida que fica é: tudo isso terá sido uma aberração ou denota uma tendência? Foi o que eu perguntei a Guessoum. “Ainda é cedo para dizer. O literalismo escriturístico, que neste caso específico levou à convicção de que a Terra é plana e está no centro do universo, é, sim, uma tendência forte no mundo islâmico, bem como entre cristãos fundamentalistas. Essa história de Terra plana vem ganhando força nas mídias sociais, mas pode ser uma modinha passageira”. Torçamos para que seja, mesmo, uma bizarrice momentânea.

(Gazeta do Povo)

Nota: O que acontece com os terraplanistas muçulmanos ocorre também com certos cristãos: entendem literalmente certas afirmações do Alcorão e da Bíblia. Não sei se o Alcorão dá margem para concluir que nosso planeta seja um disco chato, mas sei que a Bíblia não, a menos que se adote uma posição inerrantista (leia sobre isso aqui), que assume que a inspiração se deu nas palavras dos profetas e não em seus pensamentos. Os autores bíblicos tiveram liberdade para utilizar palavras e ideias de seu tempo e de sua cultura, a fim de expressar as revelações divinas. Há muito da cultura hebraica na Bíblia, já que ela foi escrita majoritariamente por hebreus. Por isso ajuda bastante conhecer a cultura e a língua dos hebreus.

Quando a Bíblia fala em “circulo da Terra” ou diz que o “Sol parou no céu”, está apenas descrevendo eventos sob o ponto de vista dos observadores. Para um observador localizado na superfície da Terra, a impressão é a de que o Sol realmente parou no céu, conforme relatado no livro de Josué, e de que o mundo em volta de seu ponto de observação parece um círculo. Isso não se trata de erro nem de alusão a uma hipotética Terra plana. Mesmo hoje, em pleno século 21, astrônomos ainda usam a expressão “pôr do sol”, quando todo mundo sabe que não é o Sol que se põe, mas a Terra que gira. Para os inerrantistas, o Sol teve que parar literalmente no céu. Para os que creem na inspiração de pensamentos, o autor simplesmente descreveu uma cena sob seu ponto de vista, o que não caracteriza erro nem tampouco se trata de uma observação científica. Resumindo: a Bíblia simplesmente não trata da forma da Terra, embora afirme claramente que ela está flutuando pelo espaço (Jó 26:7).

Conforme o astrofísico Eduardo Lütz, “a Bíblia não fala tudo sobre tudo. Muito do que as pessoas acreditam ser ensinos bíblicos não passa de uma forma humana de ver as coisas, forma essa inspirada de certa maneira em algumas expressões. É importante estudar muito a Bíblia a ponto de perceber essa diferença com cada vez mais clareza. Há textos bíblicos muito claros, especialmente no que se refere ao plano da salvação, que é o foco da Bíblia. Mas, às vezes, são usadas expressões idiomáticas que, tomadas literalmente, podem levar a conclusões equivocadas. Por isso é importante entender o conteúdo da mensagem e comparar esse conteúdo a todos os textos paralelos da Bíblia. Quando você se baseia em expressões colaterais ou idiomáticas para formar doutrinas, está pisando em terreno escorregadio. Se você fez isso e encontrou na natureza informações contrárias ao que você havia deduzido com base em apenas algum detalhe de linguagem que você acha que deve significar algo, isso é sinal de que sua interpretação daquele detalhe provavelmente está errada. Nesse caso, deve-se voltar à Bíblia e conferir se não escorregamos na exegese ou na hermenêutica”.

Um exemplo bastante simples, mencionado pelo bibliotecário e estudioso da Bíblia Vanderlei Ricken: se a Terra fosse um disco plano e o Sol e a Lua estivessem dentro da sua atmosfera (!!!), quando o Sol se afastasse de algum local do disco, indo para o lado oposto desse suposto disco, um observador parado na superfície da Terra perceberia o astro diminuir de tamanho no céu. O mesmo aconteceria com a Lua. Mas simplesmente não é o que acontece, porque tanto a Lua quanto o Sol estão muito longe daqui, o que faz com que a aproximação e o distanciamento deles torne variações de tamanho praticamente imperceptíveis.

Conforme detalha o produtor do programa “En La Mira de la Verdad”, Nelson Wasiuk, “quando o Sol se põe no horizonte, terraplanistas dizem que isso ocorre pelo ponto de fuga, o que se trata de um engano ou de ignorância. O ponto de fuga faz as coisas parecerem pequenas à medida que vão ficando mais longe, e maiores quando mais perto. Mas a realidade é que o Sol fica do mesmo tamanho sempre, e até parece maior perto do horizonte. O ponto é que o Sol não se perde no ponto de fuga, se perde na redondeza do horizonte. O mesmo ocorre com a Lua. O fato de o Sol parecer sempre do mesmo tamanho ao longo do dia mostra que ele é muito grande e está muito longe. O mesmo ocorre com a Lua. Os terraplanistas também dizem o Sol está a menos de cinco mil quilômetros da Terra. O problema é que a mais de três mil quilômetros de altura o Sol seria sempre visível por toda a Terra.”

Outro texto malcompreendido pelos terraplanistas é Apocalipse 1:7, que diz que, quando Jesus voltar, todo olho O verá. Assim, para que isso aconteça, segundo os defensores dessa ideia, a Terra tem que ser plana. Essa afirmação minimiza o poder de Deus e deixa de levar em conta outras possibilidades que não precisam contrariar o óbvio: que a Terra é um globo. Quando Jesus voltar, toda a Terra vai convulsionar e haverá terremotos destruidores. E se os continentes, nessa ocasião, voltarem a formar a Pangeia? É apenas uma possibilidade especulativa. O fato é que Deus terá Sua forma de realizar isso, e não precisamos apelar para teorias mirabolantes e que contrariam a ciência e o bom senso a fim de explicar um versículo.

Note que na matéria sobre a doutoranda muçulmana terraplanista os defensores dessa ideia são chamados de “fundamentalistas”, termo já aplicado aos criacionistas. E é aí que vejo o grande problema e é por isso que insisto em combater o terraplanismo. Já não basta sermos (os criacionistas bíblicos) criticados por crermos na literalidade da semana da criação, em Adão e Eva, no dilúvio de Gênesis, na Torre de Babel e na santidade do sábado? Por que adicionar um motivo tolo e anticientífico para sermos ainda mais alvo de deboche.

Será que ainda não ficou claro que faz parte dos planos de Satanás associar o terraplanismo aos criacionistas a fim de distrair os incautos e humilhar os que querem defender a mensagem dos três anjos do Apocalipse? [MB]

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