Moisés relatou sua morte?

Se Moisés é considerado o autor do livro de Deuteronômio, como ele mesmo poderia ter narrado a sua morte?

A inspiração não revelou quem foi o autor dos últimos versículos de Deuteronômio. Alguns comentaristas têm opinado que Moisés escreveu essa porção do livro antes de morrer; outros creem que Josué ou algum outro autor anônimo o teria acrescentado posteriormente, como epílogo do Pentateuco. Qualquer das posições está em plena harmonia com a maneira como o Espírito Santo tem procedido em outras ocasiões. No entanto, certas expressões usadas nos versos 6-12 parecem ser mais bem entendidas se se considerar que Josué foi o autor:

1. As palavras “ninguém conhece o lugar de sua [de Moisés] sepultura ate hoje” (v. 6) refletem o interesse por parte dos que viveram depois da morte de Moisés em conhecer o lugar do sepulcro. É mais razoável pensar que essa declaração foi escrita por outra pessoa depois da morte de Moisés – uma pessoa inspirada, certamente – do que crer que tenha sido escrita por Moisés mesmo, antes desse acontecimento.

2. As palavras do verso 9, que dão testemunho da autoridade de Josué e de sua habilidade como dirigente, parecem ser mais um simples registro histórico da transição da liderança que uma predição a respeito desse fato. Na descrição feita por Moisés das vicissitudes futuras das doze tribos (cap. 33), ele fala em linguagem claramente profética (v. 10, 12, 19, etc.); nesta passagem, a linguagem é de um relato histórico.

3. As palavras “e nunca mais se levantou profeta em Israel como Moisés” (v. 10) parecem mais apropriadas como um elogio feito por Josué ou alguma outra pessoa que por Moisés mesmo.

Assim como aconteceu com o livro de Romanos, de autoria de Paulo, mas redigido por Tércio, o Espírito Santo pode ter guiado Josué na redação dos últimos versículos de Deuteronômio, assim como havia dirigido Moisés na escritura da porção anterior do livro, ou como mais tarde dirigiu Josué para escrever o livro que leva seu nome.

(Extraído do Comentário Bíblico Adventista em espanhol, v. 1, p. 1091)

Nome de Deus, gigantes e filhas e filhos de Deus

Qual a origem e o significado do nome “Deus”? E quem são os gigantes mencionados na Bíblia? Seriam filhos de mulheres que tiveram relações sexuais com anjos? – B.

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Prezada B., sua primeira pergunta é sobre a origem e significado da palavra “Deus”. Em português, essa palavra vem do latim Deus divus. Essas palavras em latim e a palavra em grego διϝος (leia teós), que significa “divino” vêm do Proto-Indo-Europeu deiwos, que significa “divino”, “resplandecente”, “luminoso”. O Antigo Testamento foi escrito em hebraico e, nesse idioma, a palavra “Deus” é אל (leia El), que significa “elevado”, “poderoso”.

A sua segunda pergunta é sobre os gigantes mencionados em Gênesis 6. Muitos acreditam que, quando os “filhos de Deus” e as “filhas dos homens” tiveram relações sexuais, os filhos deles nasceram gigantes. Em Gênesis 6:4, lemos: “Ora, naquele tempo havia gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos; estes foram valentes, varões de renome, na antiguidade.” A Nova Tradução na Linguagem de Hoje diz: “Havia gigantes na terra naquele tempo e também depois, quando os filhos de Deus tiveram relações com as filhas dos homens e estas lhes deram filhos. Esses gigantes foram os heróis dos tempos antigos, homens famosos.” Observe que os gigantes existiam antes e “também depois” que os “filhos de Deus” tiveram relações com as “filhas dos homens”. Então, não foi a relação entre os dois grupos que produziu os gigantes. Gênesis 6:4 simplesmente descreve como eram as pessoas daquele tempo: no original em hebraico diz “nefilim”, que significa pessoas fortes, altas, realmente “heróis”.

Na sua pergunta, você sugere que os “filhos de Deus” seriam anjos. Essa é uma ideia muito comum, mas, se estudarmos mais atentamente a Bíblia, veremos que existe uma explicação melhor. Os “filhos de Deus” não poderiam ser anjos, porque anjos são seres espirituais (Hb 1:14) e não têm relações sexuais (Mt 22:30; Mc 12:25; Lc 20:34-36). Se estudarmos o contexto (os capítulos próximos) de Gênesis 6, veremos que os “filhos de Deus” eram os descendentes de Sete, fiéis a Deus (Gn 5) e as “filhas dos homens” eram descendentes de Caim, rebeldes contra Deus (Gn 4:1-24). Depois que houve essa união entre os dois grupos, que foi reprovada por Deus, apenas Noé e sua família permaneceram leais a Deus (Gn 6:8-10). Veja mais sobre esse assunto nos seguintes estudos: “Filhos e filhas de Deus”, de Alberto R. Timm e “Os ‘filhos de Deus’ em Gênesis 6:1-4”, de Reinaldo W. Siqueira.

(Matheus Cardoso é formado em Teologia e tradudor da Casa Publicadora Brasileira)

Moisés relatou a própria morte?

Se Moisés é considerado o autor do livro de Deuteronômio, como ele poderia ter narrado a própria morte?

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A inspiração não revelou quem foi o autor dos últimos versículos de Deuteronômio. Alguns comentaristas têm opinado que Moisés escreveu essa porção do livro antes de morrer; outros creem que Josué ou algum outro autor anônimo o teria acrescentado posteriormente, como epílogo do Pentateuco. Qualquer das posições está em plena harmonia com a maneira como o Espírito Santo tem procedido em outras ocasiões. No entanto, certas expressões usadas nos versos 6-12 parecem ser mais bem entendidas se se considerar que Josué foi o autor:

1. As palavras “ninguém conhece o lugar de sua [de Moisés] sepultura ate hoje” (v. 6) refletem o interesse por parte dos que viveram depois da morte de Moisés em conhecer o lugar do sepulcro. É mais razoável pensar que essa declaração foi escrita por outra pessoa depois da morte de Moisés – uma pessoa inspirada, certamente – do que crer que tenha sido escrita por Moisés mesmo, antes desse acontecimento.

2. As palavras do verso 9, que dão testemunho da autoridade de Josué e de sua habilidade como dirigente, parecem ser mais um simples registro histórico da transição da liderança que uma predição a respeito desse fato. Na descrição feita por Moisés das vicissitudes futuras das doze tribos (cap. 33), ele fala em linguagem claramente profética (v. 10, 12, 19, etc.); nesta passagem, a linguagem é de um relato histórico.

3. As palavras “e nunca mais se levantou profeta em Israel como Moisés” (v. 10) parecem mais apropriadas como um elogio feito por Josué ou alguma outra pessoa que por Moisés mesmo.

Assim como aconteceu com o livro de Romanos, de autoria de Paulo, mas redigido por Tércio, o Espírito Santo pode ter guiado Josué na redação dos últimos versículos de Deuteronômio, assim como havia dirigido Moisés na escritura da porção anterior do livro, ou como mais tarde dirigiu Josué para escrever o livro que leva seu nome.

(Extraído do Comentário Bíblico Adventista em espanhol, v. 1, p. 1091)

Que tipo de vinho Paulo pediu que Timóteo bebesse?

Gostaria que me explicassem 1 Timóteo 5:23, onde Paulo dá um conselho a Timóteo para que bebesse “um pouco de vinho”. É apenas suco de uva ou é vinho alcoólico? – O.C.

uva

Esse texto paulino tem sido frequentemente usado por aqueles que desejam fazer a Bíblia apoiar o consumo de bebidas alcoólicas. Alguns chegam a dizer que o problema seria a ingestão de “muito” vinho, ao passo que apenas “um pouco” não seria problema. Mas o que realmente Paulo teria aconselhado Timóteo a fazer? Primeiramente, deve-se notar o contexto no qual está inserido o texto (lTm 5:23). Ele está na seção “Conselhos”, que vai de 1 Timóteo 4:7-5:23, sendo o último verso de uma série de conselhos dados pelo apóstolo Paulo. No caso do que foi dado a Timóteo, vê-se que se trata de uma recomendação a alguém com problemas de estômago e acometido por outras enfermidades não mencionadas. Então, o conselho tem que ver com uma situação médica e um doente, e não com os membros da igreja indiscriminadamente.

Há basicamente duas hipóteses quanto ao vinho recomendado para as enfermidades de Timóteo: (1) seria vinho alcoólico; (2) seria vinho sem álcool, o puro suco de uva. Às vezes, uma palavra no idioma original ajuda a esclarecer determinado texto bíblico, mas tal não acontece com 1 Timóteo 5:23, onde “vinho” é tradução da palavra grega oinos – palavra que tanto pode indicar vinho com álcool quanto vinho sem álcool.

Analisemos a primeira hipótese, a de que o vinho fosse alcoólico. Essa hipótese estaria de acordo com uma ideia do tempo de Paulo, a de que o vinho fermentado era um medicamento útil na cura de várias doenças (R. N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado, v. 5, p. 341). Se se tratasse de vinho fermentado, a ser ingerido como remédio, o conselho se assemelharia ao que aparece em Provérbios 31:6: “Dai bebida forte [shekar] aos que perecem e vinho [yaín] aos amargurados de espírito.” Esses que estavam “perecendo” (doentes terminais), certamente estavam “amargurados de espírito”, ou seja, preocupados consigo mesmos e com o futuro de seus familiares, e deviam tomar alguma coisa que lhes anestesiasse a dor. Note que também aqui o conselho é dado a doentes, e não a pessoas sadias.

Passemos, agora, à segunda hipótese: o vinho seria sem álcool, o puro suco de uva. Essa hipótese levanta um questionamento, o de que Timóteo já devia ter o costume de beber suco de uva não fermentado, pois ele não é condenado pela Escritura. Se aceitamos a hipótese de que o vinho recomendado por Paulo era sem álcool, então Timóteo devia estar seguindo uma dieta do tipo “nazireu”, ou seja, não beber nem comer nada que viesse da videira, como a prescrita em Números 6:3: “Abster-se-á de vinho e de bebida forte; não beberá vinagre de vinho, nem vinagre de bebida forte, nem tomará beberagens de uvas, nem comerá uvas frescas nem secas.” Se for esse o caso, Timóteo devia estar sendo influenciado pelos hereges gnósticos, com suas regras ascéticas e dietéticas (ver lTm 4:3; Cl 2:21-23), seguidas para impressionar os demais membros da igreja. Paulo os denuncia como tendo “aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético” (Cl 2:23). Paulo, então, estaria dizendo a Timóteo que suco de uva seria benéfico ao seu estômago, de preferência à água muitas vezes de qualidade duvidosa e contaminada, como acontecia naqueles dias. “Nos dias de Paulo, como agora, a água em muitas localidades não era segura para uso. Doenças físicas, como a disenteria, frequentemente estavam relacionadas com água contaminada, sendo de comum ocorrência. Consequentemente, outras maneiras de matar a sede eram frequentemente recomendadas” (Seventh-day Adventist Bible Commentary, v. 7, p. 314). Nesse caso, vinho (suco de uva) seria preferível à água impura (J. N. D. Kelly. 1 e 2 Timóteo e Tito, p. 123). Ellen White concorda com essa segunda hipótese. Note suas palavras:

“Bebidas fermentadas confundem os sentidos e pervertem as capacidades do ser. […] Vinho fermentado não é um produto natural. O Senhor nunca o produziu e nada tem que ver com sua produção. Paulo orientou Timóteo a tomar um pouco de vinho por causa de seu estômago e de suas frequentes enfermidades, porém se tratava de suco de uva não fermentado. Ele não aconselharia Timóteo a usar o que o Senhor havia proibido” (Signs of the Times, 6 de setembro de 1899, 2º parágrafo).

Como vimos, se Paulo tivesse recomendado vinho alcoólico a Timóteo, estaria receitando um remédio (ao menos se pensava assim em sua época) a alguém doente. E isso não deve servir de justificativa para seu uso por alguém sadio. Se, ao contrário, Paulo recomendou suco de uva não fermentado, teve o propósito de que Timóteo evitasse água contaminada, que agravaria ainda mais seu problema de estômago e suas “frequentes enfermidades”. Em conclusão, dizemos que seguro mesmo é ficar longe das bebidas alcoólicas. A Bíblia as descreve como “alvoroçadoras” (Pv 20:1), causadoras de ais, pesares, rixas, queixas, feridas sem causa, olhos vermelhos (23:29).

(Ozeas C. Moura, Revista Adventista, dezembro de 2009)

Leia também: Não há dose segura

Mateus 28:19 – falso ou autêntico?

baptismÉ verdade que as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28:19) não foram escritas por Mateus, mas foram acrescentadas pela Igreja Católica?

Mateus 28:19 é um dos textos bíblicos mais frequentemente utilizados para defender a doutrina da Trindade. Mas alguns grupos cristãos que não creem nessa doutrina afirmam que as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” não estavam no texto original. Examinaremos os principais argumentos utilizados em defesa dessa teoria.[1]

1. Manuscritos do Novo Testamento – Aqueles que dizem que Mateus 28:19 foi modificado argumentam que, de acordo com o texto original, o batismo deveria ser realizado “em Meu [de Jesus] nome”. Ao examinarmos essa teoria, precisamos nos lembrar de que o Novo Testamento foi escrito originalmente no idioma grego, mas nenhum manuscrito redigido pelos próprios autores bíblicos chegou até nossa época. Porém, são conhecidos mais de cinco mil manuscritos antigos que contêm o Novo Testamento em seu idioma original. Assim, podemos ter certeza de que, ao longo de dois mil anos, Deus preservou Sua Palavra.[2]

De acordo com os estudiosos, a expressão “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” aparece em todos os manuscritos antigos do evangelho de Mateus. Por outro lado, não existe nenhum manuscrito em que apareçam as palavras “em Meu [de Jesus] nome” ou qualquer outra expressão.[3]

Esse fato é confirmado pelas mais importantes obras sobre o assunto: a edição do Novo Testamento grego e a obra oficial que possui comentários sobre esses manuscritos.[4] Outra importante obra, International Standard Bible Encyclopedia, declara que “as credenciais textuais [de Mt 28:19] são suficientemente sólidas”,[5] ou seja, não há dúvidas sobre o texto original de Mateus 28:19.

As palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” aparecem também em todas as traduções antigas do evangelho de Mateus ou do Novo Testamento completo, tais como a Peshitta Siríaca, a Vulgata latina, a Copta e as versões eslovacas. É interessante observar que os cristãos sírios e coptas (que possuíam sua própria tradução do Novo Testamento) não estavam ligados à Igreja Católica Romana, mas aceitavam essa passagem bíblica como autêntica. Após analisar esses fatos, um estudioso afirmou: “É incrível que uma interpolação desse caráter tenha sido feita no texto de Mateus sem deixar qualquer traço de sua inautenticidade em um simples manuscrito ou versão [tradução]. A evidência de sua genuinidade é esmagadora.”[6]

À vezes é dito que o evangelho de Mateus foi escrito originalmente em hebraico ou aramaico. As pessoas que afirmam que Mateus 28:19 foi modificado alegam que, no evangelho escrito nesses idiomas, Jesus ordenava que o batismo deveria ser efetuado “em Meu nome”. Mas essa teoria deve ser rejeitada por várias razões: (1) até hoje não foi encontrado nenhum fragmento hebraico ou aramaico desse evangelho; (2) “o grego de Mateus não apresenta qualquer indício de ter sido traduzido do aramaico”; e (3) existem muitas evidências de que Mateus utilizou o evangelho de Marcos, escrito em grego, para escrever seu próprio evangelho.[7]

Alguns mencionam uma versão de Mateus em hebraico traduzida por George Howard, que contém as palavras “em Meu [de Jesus] nome” em Mateus 28:19. Argumenta-se que esse texto apresenta o texto exato do evangelho em seu idioma original. No entanto, o texto traduzido por Howard é do século 14 e, portanto, muito tardio para ser utilizado como evidência das palavras originais do evangelho. Além disso, essa versão pertencia a um judeu que a utilizou em livros que atacavam a fé cristã. Portanto, esse suposto evangelho em hebraico é muito tardio, de segunda mão e pertencia a um crítico do cristianismo.[8]

Apesar disso, outros dois textos em hebraico de Mateus (Du Tillet e Münster), que são aproximadamente da mesma época que o de Howard, contêm a expressão “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Mesmo que admitíssemos que esse evangelho tivesse sido escrito originalmente em hebraico ou aramaico, não há evidência de que as palavras de Mateus 28:19 fossem diferentes do texto que conhecemos.

2. Antigos escritores cristãos – Outra maneira de saber quais eram as palavras exatas que apareciam nos textos originais do Novo Testamento é ver como eram citados pelos autores cristãos que viveram pouco tempo depois dos apóstolos. Aqueles que afirmam que o texto original de Mateus 28:19 foi modificado dizem que esses autores citavam a passagem sem as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”.

Os documentos históricos, no entanto, mostram que todas as vezes em que os antigos escritores cristãos se referiam a Mateus 28:19, eles citavam as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Os exemplos incluem a Didaquê, um manual doutrinário para candidatos ao batismo, produzido entre 70 e 100 d.C.; Inácio de Antioquia (50-110 d.C.); Justino Mártir (100-165 d.C.); Taciano, o Sírio (120-180 d.C.); Irineu de Lyon (130-200 d.C.); Tertuliano de Cartago (150-220 d.C.); Hipólito de Roma (170-235 d.C.); Orígenes (185-253 d.C.); Cipriano (morreu em 258 d.C.); Dionísio de Alexandria (morreu em 265 d.C.); Vitorino de Pettau (morreu em 303 d.C.) e os autores do Tratado Contra o Herege Novaciano e do Tratado Sobre o Rebatismo.[9]

Outro argumento comum contra a autenticidade de Mateus 28:19 se baseia nos escritos de Eusébio de Cesareia (265-339 d.C.), historiador cristão que viveu na época do imperador Constantino. Várias vezes ele citou Mateus 28:19 com as palavras “em Meu [de Jesus] nome”. Os estudiosos observam, entretanto, que Eusébio tinha o hábito de citar a Bíblia de forma bastante imprecisa.[10] Por isso, suas citações não são utilizadas para se determinar as palavras exatas do Novo Testamento.

Em realidade, Eusébio citava Mateus 28:19 de três maneiras diferentes: (1) “Ide e fazei discípulos de todas as nações”; (2) “Ide e fazei discípulos de todas as nações em Meu nome”; e (3) “Ide e fazei discípulos de todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. É importante observar que Eusébio jamais citou o texto como se esse ordenasse o batismo “em Meu nome”, mas fazer discípulos em Meu nome.

Alguns afirmam que, antes do Concílio de Niceia (325 d.C.), Tertuliano citava o texto da primeira e segunda formas e, depois do Concílio, citava da terceira forma. Esse argumento possui várias falhas: (1) ao contrário do que geralmente é dito, o Concílio de Niceia não discutiu a Trindade, mas a relação de Cristo com Deus, o Pai; (2) Mateus 28:19 não era um texto utilizado nas discussões sobre a Trindade e a natureza de Cristo na época de Eusébio; e (3) Eusébio utilizou cada uma das três formas antes e depois do Concílio de Niceia.

Além disso, ao mencionar o texto de Mateus 28:18-20, Eusébio combinava-o com Mateus 10:8; 24:14; Marcos 16:17; Lucas 24:47 e João 20:22. Portanto, ele não citava as palavras de Mateus 28:19 de forma isolada, mas mesclava todas essas passagens. As palavras “em Meu nome” derivam de Marcos 16:17 e Lucas 24:47.[11]

3. A Bíblia de Jerusalém – Aqueles que defendem que o texto original de Mateus 28:19 foi modificado costumam citar uma nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém a respeito dessa passagem. A nota afirma: “É possível que em sua forma precisa, essa fórmula reflita influência do uso litúrgico posteriormente fixado na comunidade primitiva. Sabe-se que o livro dos Atos fala em batizar ‘no nome de Jesus’ (cf. At 1,5+, 2,38+). Mais tarde deve ter-se estabelecido a associação do batizado às três pessoas da Trindade.”[12] De acordo com os defensores da teoria que estamos analisando, essa citação afirma que o evangelho de Mateus originalmente não continha as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”.

Para que essa nota de rodapé seja entendida corretamente, precisamos nos lembrar de que as introduções e notas da Bíblia de Jerusalém foram escritas por estudiosos católicos e protestantes que interpretam as Escrituras por meio do método histórico-crítico. Esse método afirma (1) que os autores da Bíblia não produziram um livro completamente harmônico, mas repleto de contradições históricas e teológicas; (2) que a Bíblia não é a Palavra de Deus, mas apenas contém a Palavra de Deus (ensinos corretos) mesclada à palavra dos seres humanos (falsos ensinos resultantes da sociedade primitiva); (3) que, antes de serem escritos, os textos bíblicos circulavam de forma oral, e muito de sua exatidão foi perdida; (4) que a Bíblia foi escrita não apenas por profetas, mas pelas comunidades em que eles viviam; (5) que essas comunidades selecionaram, escreveram, corrigiram e acrescentaram textos aos escritos originais dos profetas e apóstolos; e (6) que o leitor da Bíblia não deve aceitar como correta a declaração de um texto bíblico até que ele seja confirmado pela ciência ou pela história. Não podemos aceitar esse método, pois cremos que a Bíblia é a Palavra escrita de Deus e não contém falsos ensinos humanos (Mt 5:17-18; Mc 7:13; Jo 10:35; 2Tm 3:16; 2Pe 1:20-21).[13]

Segundo os adeptos desse método, os evangelhos muitas vezes não apresentam as palavras autênticas de Jesus, mas as adaptam conforme a necessidade e as crenças (corretas ou incorretas) dos cristãos que escreveram cada evangelho. Muitas narrações e milagres foram inventados ou distorcidos com o objetivo de ensinar lições morais a seus leitores. Para esses estudiosos, o evangelho de Mateus terminou de ser escrito depois da morte desse apóstolo. Mateus já havia escrito as partes essenciais do evangelho, mas o texto foi ampliado pelos líderes da igreja local fundada por ele. E, nesse processo, diversas histórias e ensinos falsos acabaram por entrar no evangelho.

A compreensão dos adeptos do método histórico-crítico a respeito de Mateus 28:19 é apresentada, por exemplo, pelo Anchor Bible Dictionary. Esses estudiosos admitem que o evangelho original de Mateus ensina “o batismo no nome da Trindade (28:19), ordenado pelo ressurreto Filho do homem”[14] e “a menção da Trindade na fórmula batismal”.[15] Porém, eles argumentam que essa “não é uma declaração autêntica de Jesus nem mesmo uma elaboração de uma declaração de Jesus sobre o batismo”.[16] Em outras palavras, o evangelho de Mateus afirma que Jesus pronunciou essas palavras, mas, em realidade, isso jamais aconteceu.

Os defensores da teoria argumentam, ainda de acordo com o Anchor Bible Dictionary, que “Mateus 28:19 representa a convicção do evangelista de que sua igreja [comunidade local] praticava o batismo de acordo com a vontade de Jesus e reflete a fórmula batismal ali utilizada”.[17] Ou seja, a igreja local onde foi escrito esse evangelho batizava “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Na tentativa de justificar essa prática, o evangelho afirma, de maneira enganosa, que essa havia sido uma ordem dada por Jesus.

Christopher Stead argumenta que Mateus não estava “relatando palavras autênticas de Jesus; o que, sem dúvida, a passagem deixa claro é que a fórmula triádica [a expressão “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”] era, nesses termos, aceita e usada numa influente comunidade cristã algum tempo antes de 100 d.C. (já que, ainda que o Evangelho [de Mateus] fosse datado de um pouco mais tarde, dificilmente o escritor poderia estar introduzindo uma novidade)”.[18] A ideia defendida é a mesma que aparece no Anchor Bible Dictionary.

Aqueles que afirmam que o texto de Mateus 28:19 foi modificado citam vários outros livros, principalmente enciclopédias, que apresentam a mesma teoria que a Bíblia de Jerusalém, o Anchor Bible Dictionary e Christopher Stead. Mas não podemos aceitar o que é dito por essas fontes, pois se baseiam no método histórico-crítico para analisar esse versículo. Além disso, ao contrário do que fizemos no início deste artigo, nenhuma dessas fontes cita qualquer autor antigo para apoiar suas conclusões. Em outras palavras, são meras suposições sem qualquer fundamento histórico.

À luz desses fatos, a nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém a respeito de Mateus 28:19 pode ser facilmente compreendida. Citamos novamente o texto em discussão e acrescentamos comentários entre colchetes: “É possível [no método histórico-crítico há poucas certezas e muitas suposições] que em sua forma precisa, essa fórmula [que está no evangelho de Mateus; em momento algum a nota nega esse fato] reflita influência do uso litúrgico [da cerimônia do batismo] posteriormente fixado [a expressão surgiu não quando Jesus a proferiu, mas muito tempo depois] na comunidade primitiva [a igreja local de Mateus]. Sabe-se que o livro dos Atos [escrito antes da destruição do templo, em 70 d.C.] fala em batizar ‘no nome de Jesus’ (At 1,5+, 2,38+). Mais tarde [na igreja de Mateus, no fim do primeiro século] deve ter-se estabelecido a associação do batizado às três pessoas da Trindade.”

De acordo com os adeptos do método histórico-crítico, não é porque Jesus assim havia ordenado que a comunidade de Mateus batizava “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Ao contrário: o evangelho falsamente atribui a Jesus essas palavras porque aquela comunidade já as utilizava. Portanto, de acordo com esses estudiosos, não foi o ensino de Jesus que determinou a prática dos cristãos, mas a prática dos cristãos que determinou o suposto ensino de Jesus.

Não podemos concordar com a nota da Bíblia de Jerusalém sobre Mateus 28:19, pois ela argumenta que Jesus não pronunciou as palavras registradas nesse versículo. Mas a citação não afirma que as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” não estavam no texto original do evangelho. Aqueles que defendem a teoria que analisamos distorcem a declaração da Bíblia de Jerusalém.

Conclusão

As evidências mostram, de maneira unânime, que as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (1) aparecem em todos os manuscritos gregos do evangelho de Mateus e, portanto, estavam no texto original; (2) sempre foram citadas exatamente dessa maneira pelos antigos escritores cristãos; e (3) não têm sua presença no evangelho de Mateus negada pela Bíblia de Jerusalém ou por fontes semelhantes. Portanto, a teoria de que o texto original de Mateus 28:19 foi modificado pela Igreja Católica não possui qualquer fundamento.

Aqueles que, contra todas as provas, insistem em rejeitar a autenticidade de Mateus 28:19, deveriam considerar as advertências de Deus contra o desprezo a qualquer parte das Escrituras (Mt 5:17, 18; Mc 7:9-13; Ap 22:19). A respeito daqueles que confiam em Sua Palavra, o Senhor declara: “A este Eu estimo: ao humilde e contrito de espírito, que treme diante da Minha Palavra” (Is 66:2, NVI).

(Matheus Cardoso é bacharel em Teologia pelo Unasp e tradutor)

Leia também: “A fórmula batismal trinitária de Mateus 28:19 é autêntica?”

Referências:

[1] Para mais informações sobre a autenticidade de Mateus 28:19, veja as seguintes pesquisas acadêmicas disponíveis na internet: Vander Ferraz Krauss, “A Fórmula Batismal de Acordo com Mateus 28:19” (monografia, Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia, Instituto Adventista de Ensino do Nordeste, 2004); Tim Hegg, “Mateus 28:19: Uma investigação crítica-textual [sic]”; Mark Clarke, “Textual Evidence and the Great Comission”.

[2] Para estudo sobre a história e confiabilidade dos manuscritos do Novo Testamento, ver Wilson Paroschi, Crítica Textual do Novo Testamento (São Paulo: Editora Vida, 1998); Bruce M. Metzger e Bart Ehrman, The Text of the New Testament: Its Transmission, Corruption, and Restoration (Nova York: Oxford University Press, 2005).

[3] Ver, por exemplo, Benjamin J. Hubbard, The Matthean Redaction of a Primitive Apostolic Commissioning: An Exegesis of Matthew 28:16-20, Society of Biblical Literature Dissertation Series, v. 19 (Missoula, MT: Scholars’ Press, 1974); J. Schaberg, The Father, the Son and the Holy Spirit: The Triadic Phrase in Matthew 28:19b, Society of Biblical Literature Dissertation Series, v. 61 (Chicago: Scholars’ Press, 1982); Donald A. Hagner, Matthew 14-28, Word Biblical Commentary, v. 33b (Nashville, TN: Thomas Nelson, 1995), p. 880-881.

[4] Erwin Nestle e Kurt Aland, eds., Greek-English New Testament (Stuttgart: Deutsche Bibelgessellschaft, 1994), p. 87; Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament (Nova York: United Bible Societies, 1994).

[5] G. W. Bromiley, “Baptism”, em International Standard Bible Encyclopedia, ed. Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1979), v. 1, p. 411.

[6] Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel of Matthew (James Family Reprint, s/d), p. 432.

[7] Hagner, Matthew 14-28, p. xiv.

[8] George Howard, Hebrew Gospel of Matthew (Macon, GA: Mercer University Press, 1995).

[9] Didaquê 7.1-3; Inácio, Aos Filadelfos 9, em The Ante-Nicene Fathers: Translations of the Writings of the Fathers down to A. D. 325 (daqui em diante, ANF), ed. Alexander Roberts e James Donaldson (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1967), v. 1, p. 85; Justino Mártir, Primeira Apologia 61, em ANF, v. 1, p. 183; Taciano, o Sírio, Diatessaron 55; Irineu, Contra Heresias 3.17.1, em ANF, v. 1, p. 444; Tertuliano, Prescrições Contra os Hereges 20, em ANF, p. 3, p. 252; idem, Contra Práxeas 26, em ibid., p. 623; idem, Sobre o Batismo 6, 8, em ibid., p. 672, 676; Hipólito, A Tradição Apostólica 21; Contra a Heresia de um Certo Noeto 14, em ANF, p. 5, p. 228; Orígenes, Comentário de Romanos 5.8; Cipriano, Epístolas 24.2, em ANF, p. 5, p. 302; 62.18, em ibid., p. 363; 72.5, em ibid., p. 380; idem, Tratados, 12.2.26, em ibid., p. 526; idem, Sétimo Concílio de Cartago, em ibid., p. 567, 568, 569; Dionísio de Alexandria, Primeira Carta a Sisto, Bispo de Roma 2; Vitorino de Pettau, Comentário Sobre o Apocalipse do Bendito João, 1.15 em ANF, v. 7, p. 345; Tratado Contra o Herege Novaciano 3, em ANF, p. 5, p. 658; Tratado Sobre o Rebatismo 7, em ANF, p. 5, p. 671. Todas essas referências estão disponíveis no site da Christian Classics Ethereal Library.

[10] Hubbard, The Matthean Redaction of a Primitive Apostolic Commissioning, p. 151-175.

[11] G. R. Beasley-Murray, Baptism in the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1988), p. 82.

[12] Bíblia de Jerusalém (São Paulo: Paulus, 2002), p. 1.758.

[13] O uso do método histórico-crítico pela Bíblia de Jerusalém pode ser visto, por exemplo, nas introduções ao Pentateuco (p. 21-31), a Provérbios (p. 1.020-1.021), a Isaías (p. 1.237-1.239), a Daniel (p. 1.244-1.246) e aos quatro evangelhos (p. 1.690-1.694). Para uma introdução ao método histórico-crítico, ver Augustus Nicodemus Lopes, A Bíblia e Seus Intérpretes: uma breve história da interpretação (São Paulo: Cultura Cristã, 2004), p. 183-195, 241-244. Uma análise crítica desse método pode ser encontrada em Gerhard F. Hasel, Teologia do Antigo e Novo Testamento: questões básicas no debate atual (São Paulo: Academia Cristã, 2007).

[14] Lars Hartman, “Baptism”, em The Anchor Bible Dictionary, ed. David Noel Freedman (New York: Doubleday, 1992), v. 1, p. 584.

[15] Ibid., p. 590.

[16] Ibid., p. 585.

[17] Ibid., p. 590.

[18] Christopher Stead, A Filosofia na Antiguidade Cristã (São Paulo: Paulus, 1999), p. 142.

Negros e africanos foram amaldiçoados?

criançasA maldição de Noé sobre o filho de Cam tem relação com o povo africano?

A Aliança Evangélica vem a público para repudiar o uso inadequado das Escrituras Sagradas, a Bíblia, juntamente com as interpretações e afirmações daí decorrentes, especificamente as feitas quanto a supostas maldições existentes sobre africanos e negros. Afirmações dessa natureza são fruto de leitura mal feita de parágrafos bíblicos, tomados fora do seu contexto literário e teológico, que acabam por colaborar com os interesses de justificar pensamentos e práticas abusivas, contrárias ao espírito da Palavra de Deus, cujo foco está na Justiça, na Libertação e na promoção da Vida e Dignidade Humana. O texto em questão, que tem servido de pretexto para declarações insustentáveis, tanto em púlpitos, redes sociais, na tribuna do Parlamento e até protocoladas junto à Justiça Federal, sob o manto da imunidade parlamentar, versa sobre o significado da passagem bíblica encontrada no livro de Gênesis capítulo 9, versos 20 a 27.

Nessa passagem Noé, embriagado, despe-se e assim é surpreendido por seu filho Cam que, ao invés de manter a discrição e o respeito devidos ao pai, o anuncia aos seus irmãos; estes se recusam a ver o pai nesse estado e, sem olhar para ele, cobrem-no com uma manta. Desperto Noé, ao saber da postura de seu filho Cam, amaldiçoa seu neto Canaã, filho de Cam, destinando-lhe a servidão.

O equívoco em questão dá a entender que a maldição proferida pelo patriarca bíblico contra Canaã, seu neto e filho de Cam, atinge os seres humanos de tez negra que habitaram, originariamente, o continente africano, o que explicaria os vários infortúnios em sua história passada e presente, culminando no longo período em que foram feitos escravos no Ocidente; e que o ato de Cam em ver a nudez de seu pai, mais do que um desrespeito, indica um ato de violação sexual por parte de Cam.

Queremos salientar enfática e categoricamente:

1. Cam teve outros filhos: Cuxe, Mizraim e Pute, e somente Canaã foi amaldiçoado.

2. Embora o comportamento inadequado descrito no texto bíblico tenha sido o de Cam, filho de Noé, o objeto específico da maldição foi Canaã, o neto de Noé. [Segundo Orígenes, um dos pais da Igreja, do século 3, Canaã foi quem avisou seu pai sobre a situação do seu avô, publicando o que deveria ter mantido sob reserva.] Amaldiçoar, no senso bíblico, não determina a história, mas descreve a consequência da quebra de um princípio estabelecido pelo ato desrespeitoso; portanto, significa a percepção de efeitos e desdobramentos de um comportamento específico. Ou seja, a postura de Cam e de seu filho Canaã estabelece um padrão comportamental que resultaria numa situação de inversão paradoxal, em que alguns dentre os descendentes de Canaã se tornariam dominados e serviçais dos seus irmãos.

3. Canaã, neto de Noé, foi habitar e estabeleceu-se na região a oeste do rio Jordão, até a costa do Mediterrâneo (sudoeste da Mesopotâmia), onde os descendentes de Canaã desenvolveram práticas absurdas, inclusive o sacrifício de crianças, e não no continente africano!

4. É de entendimento entre os teólogos especialistas no Antigo Testamento que a maldição profética de Noé sobre Canaã foi cumprida quando da conquista da região povoada pelos descendentes de Canaã, os cananeus, por parte dos filhos de Jacó, sob o comando de Josué há mais de três milênios.

5. A maldição proferida sobre Canaã pelo seu avô Noé significou uma percepção e discernimento sobre uma tendência comportamental de um grupo humano, antevendo o resultado de uma corrupção cultural e civilizatória específica e localizada, e em consequente servidão, e de modo nenhum faz referência à cor da sua pele.

6. Não há nada, absolutamente nada, nem nesse texto bíblico em foco nem na Escritura como um todo, que indique qualquer maldição sobre negros e africanos, e muito menos algo que justifique a escravidão.

7. O texto bíblico precisa ser lido em seu contexto imediato e considerado à luz da totalidade da Escritura, como saudáveis práticas de interpretação bíblica nos ensinam. De acordo com o próprio capítulo 9 de Gênesis, verso 1 e seguintes, é indicado que o desejo de Deus e Sua promessa visam a abençoar, dar vida, alimento e todo o necessário para o desenvolvimento de todos os descendentes de Noé, seus filhos e de toda a família humana. A declaração divina de abençoar a Noé e seus descendentes é firme e abrangente, e não pode ser contestada ou reduzida pela declaração relativa e descritiva de Noé a respeito de seu neto.

8. Deus reafirma o desejo de abençoar toda a humanidade, todas as famílias da Terra, raças e etnias no episódio descrito na sequência da narrativa bíblica, quando da vocação de Abrão (Gênesis 12), intenção que tem seu ápice e culminância na pessoa, vida e ministério de Jesus e continuado em curso na Igreja. Em Cristo, toda maldição é destruída e uma Nova Criação é estabelecida, sendo chamados a participar desse novo concerto todas as nações, etnias, raças, povos e famílias de todas as terras e da Terra toda, sendo revogadas assim todas as maldições e oferecida salvação a todas as pessoas.

9. A alegada violação sexual de Cam a Noé não é sustentada pelo texto. A citação do texto da lei de Moisés que chama a violação de descobrir a nudez não dá suporte a tal alegação, uma vez que os verbos usados são diferentes na raiz e no significado: no primeiro caso, trata-se de observação a distância; e, no segundo caso, trata-se de ato deliberado contra outrem.

10. Toda vez, na história, que esse texto foi aventado a partir dessa hipótese vulgar, tratou-se de ato de má fé a serviço de interesses escusos, seja quando usado para justificar a escravidão de ameríndios no Brasil colonial, seja quando usado para justificar a escravidão dos africanos de tez negra, seja quando utilizado para a elaboração de sistemas legais de segregação social como o que ocorreu nos Estados Unidos, seja quando usado para justificar a política nefasta e mundialmente condenada do apartheid.

Tal leitura equivocada da Escritura corre o risco de ser vista como suspeita de esconder outros interesses de natureza política, econômica e de dominação social e religiosa. Não há nenhum apoio bíblico para defender qualquer maldição sobre negros ou africanos, que fazem parte, igualmente e em conjunto, da única família humana.

Lamentamos o equívoco provocado por tal vulgarização do texto bíblico, bem como a banalização quanto ao conteúdo de nossa fé, assim como repudiamos qualquer tentativa, intencional ou não, de uso inadequado do texto para quaisquer fins que não o de promover a vida, a libertação e a justiça, como a própria Escritura expressa muito bem.

(Ultimato)

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O fim depende do começo

BibleExiste relação entre os primeiros e os últimos capítulos do Livro sagrado do cristianismo? As evidências bíblicas e científicas confirmam a literalidade da semana da criação?    

[Este artigo foi escrito por meus alunos de pós-graduação Márcio Tonetti, Reisner Martins, Sueli Ferreira de Oliveira, Ulisses Arruda e Valter Cândido. – MB]

A crença de que a semana da criação narrada no primeiro livro da Bíblia representaria um período de longas eras (ou de milhões de anos, segundo a cronologia evolucionista) se popularizou no meio cristão. Uma forte evidência disso é que já existem igrejas nos Estados Unidos que anualmente participam das comemorações do dia dedicado a Darwin (12 de fevereiro). Embora continuem atribuindo a Deus a origem da vida no planeta, os adeptos da evolução teísta não veem os “dias” descritos nos primeiros capítulos de Gênesis como períodos de 24 horas.

O geneticista norte-americano Francis Collins, que coordenou o Projeto Genoma por mais de uma década, está entre os representantes dessa vertente. No livro A Linguagem de Deus (Gente, 2007), embora ele busque apresentar diversas evidências no campo da bioquímica e da genética de que Deus foi o designer inteligente originador da vida, ao fim da obra o cientista expressa sua convicção no fato de que a criação teria acontecido no decorrer de longas eras.

O casamento entre a fé cristã e a evolução foi tema de uma reportagem publicada na edição de março de 2009 da revista Superinteressante. Nela, o jornalista Reinaldo José Lopes considerou que essa tendência reflete a tentativa de “sobrevivência” da Igreja diante da popularidade das ideias propagadas pelo naturalista britânico Charles Darwin. Ele comentou que, ao longo dos últimos 150 anos, “algumas das denominações cristãs mais antigas, como a Igreja Católica e a Igreja Anglicana, acabaram decidindo que não dava para brigar com as descobertas feitas pela biologia evolutiva e passaram a interpretar os relatos da Bíblia sobre a criação do mundo como textos poéticos e alegóricos”.

Lopes cita ainda que, em 2008, o Vaticano promoveu uma conferência para discutir o legado de Darwin, fazendo questão de lembrar que os livros do naturalista nunca foram oficialmente condenados pela igreja. Como lembra o autor, essa concepção continuou sendo defendida por João Paulo 2º que, em 1996, expressou que a teoria da evolução “é mais do que uma mera hipótese”, e, mais recentemente, foi reforçada pelo papa Francisco que considerou a história de Adão e Eva uma fábula.

No meio evangélico, o Gênesis é interpretado de diferentes maneiras. No livro He Spoke And It Was, que em breve deve ser publicado em português pela CPB, o teólogo Richard Davidson menciona que uma posição evangélica simbólica comum é a que é chamada por alguns de “teoria concordista ampla”, defendida por conciliadores liberais. Segundo essa concepção, os sete dias representam longos períodos, admitindo, assim, a evolução teísta.

No artigo “Dias literais ou períodos de tempo figurados?”, publicado na edição nº 53 da Revista Criacionista, Gerhard F. Hasel procurou mostrar alguns dos argumentos mais representativos a favor dessa ideia de longas eras. Para o erudito britânico John C. L. Gibson, por exemplo, “Gênesis 1 deve ser tomado como uma ‘metáfora’, ‘história’ ou ‘parábola’, e não como um registro direto dos acontecimentos da criação”. No entender de Gibson, “se entendermos ‘dia’ como equivalente a ‘época’ ou ‘era’, poderemos pôr a sequência da criação, apresentada no capítulo 1, em conexão com os relatos da moderna teoria da evolução, e assim caminhar um pouco no sentido da recuperação da reputação da Bíblia em nossa era científica” (The Daily Study Bible, v. 1, p. 56).

Hasel cita ainda que, em 1983, o comentarista alemão Hansjörg Bräumer afirmou: “O ‘dia’ da criação que é descrito como contendo ‘manhã e tarde’ (sic) não é uma unidade de tempo que possa ser determinada com um relógio. É um dia divino no qual mil anos são como o dia de ontem (Sl 90:4). O dia primeiro da criação é um dia divino. Não pode ser um dia terrestre, pois ainda está faltando a medida do tempo, o sol. Não ocasionará nenhum dano ao relato da criação, portanto, entendê-la dentro do ritmo de milhões de anos” (Das erst Buch Mose – Wuppertaler Studienbibel, p. 44).

Em seu livro He Spoke And It Was, Richard Davidson também menciona que vários estudiosos evangélicos falam do relato de Gênesis sobre a criação em termos de dias “analógicos” ou “antropomórficos”. Essa compreensão parte do pressuposto de que “os dias são dias de trabalho de Deus, sua duração nem é especificada nem é importante, e nem tudo no relato precisa ser considerado historicamente sequencial”.

Além daqueles que veem o(s) relato(s) de Gênesis como poesia, metáfora ou parábola, outra corrente teórica apresentada por Richard Davidson é a visão “progressista-criacionista” que, embora considere os seis dias literais, entende que cada dia abre um novo período criativo de criação indeterminada. Porém, como lembra Davidson, “comum a todos esses pontos de vista não literais é a suposição de que o relato das origens de Gênesis não é um relato histórico literal e direto da criação material” (p. 20).

Cabe observar, entretanto, que a argumentação de que o primeiro livro da Bíblia tem um caráter alegórico ou figurativo é bem mais antiga do que se imagina. Alguns estudiosos sustentam que ela é muito anterior à publicação do livro A Origem das Espécies, de Charles Darwin. Segundo Hasel, Orígenes de Alexandria é considerado o primeiro a entender os “dias” da criação no sentido alegórico, e não literal. Posteriormente, Agostinho, o mais famoso dos pais da Igreja latinos, também corroborou esse pensamento, o que mostra que essas interpretações já começavam a surgir no período medieval.

Contudo, Gerhard F. Hasel observa que nem Agostinho nem Orígenes tinham em mente qualquer conceito evolucionista. “Eles consideravam os ‘dias’ da criação como não literais com base em algo distinto – era obrigação filosófica atribuir a Deus atividade criadora sem qualquer relação com o tempo humano. Como os ‘dias’ da criação se relacionam com Deus, argumentava-se que esses ‘dias’ tinham de ser representativos de noções filosóficas associadas a Deus, tomadas as suas respectivas perspectivas”, ele ressalta. Desse ponto de vista, como para os filósofos gregos Deus era atemporal, logo supunha-se que os dias da criação deveriam ser entendidos com base nessa lógica.

A influência exercida pela filosofia grega sobre a igreja, determinando interpretações figurativas do Gênesis, levanta um aspecto importante citado por Hasel: o de que “houve razões extra-bíblicas que levaram alguns intérpretes a se afastar do significado literal dos ‘dias’ da criação”.

Para Hasel, tal como ocorreu no passado, “existe hoje também outra influência extra-bíblica que induz os intérpretes a alterar o que parece ser o claro significado dos ‘dias’ da criação. É uma hipótese científica baseada num ponto de vista naturalístico, a moderna teoria da evolução, que tem impulsionado essa alteração”.

No entanto, para fugir de compreensões equivocadas, é preciso voltar à Bíblia e interpretá-la corretamente. Como lembra o autor do artigo publicado na Revista Criacionista, Martinho Lutero, considerado o pai da Reforma Protestante, consistentemente, defendeu a interpretação literal do relato da criação ao afirmar que “Moisés falou no sentido literal, e não alegórica ou figurativamente, isto é, que o mundo, com todas as suas criaturas, foi criado em seis dias, como se lê no texto”.

Sendo assim, quais as evidências bíblicas e científicas que confirmam a historicidade do primeiro livro da Bíblia? No livro Estudos sobre Criacionismo, o primeiro sobre o tema produzido pela Casa Publicadora Brasileira na década de 1950, Frank Lewis Marsh sustenta que “em qualquer lugar em que o registro bíblico é tão claramente expresso como em Gênesis 1, nenhum conflito existe entre as declarações da Escritura e os fatos científicos demonstrados” (p. 182).

Um dos fatos que devem ser levados em conta é que, conforme Richard Davidson, o gênero literário de Gênesis 1-11 aponta para a natureza histórica literal do relato da criação (He Spoke And It Was, p. 20). Também na obra Genesis 1:1-11:26, Kenneth Mathews (1996, p. 109) desenvolve essa ideia mostrando que tanto o gênero “parábola”, uma ilustração tirada da experiência diária, quanto o gênero “visão” se encaixam no texto bíblico, pelo fato de não conter o típico preâmbulo e outros elementos que acompanham as visões bíblicas.

Desconstruindo o argumento daqueles que, com base em paralelos do antigo Oriente Próximo, veem o relato bíblico das origens como uma narrativa mitológica, Richard Davidson sustenta: “A realidade é que o relato de Gênesis contrasta fortemente com outros relatos do antigo Oriente Próximo e egípcios, de forma que existe uma pretensa polêmica ou discussão contra esses mitos” (p. 8). Uma das diferenças é que, nessas culturas, as divindades sempre criam a partir da matéria pré-existente. Nas cosmologias egípcias, por exemplo, “tudo está contido dentro do Mônode inerte, até mesmo o Deus criador” (p. 2).

Em contrapartida, em toda a Bíblia (a começar pelo primeiro verso de Gênesis), o verbo especial para “criar” (bara) só tem Deus como sujeito. “Isso está na língua hebraica – ninguém-pode-bara ou ‘criar’, a não ser Deus. Só Deus é o Criador, e ninguém mais pode partilhar essa atividade especial. O verbo bara nunca é empregado para a matéria ou material a partir do qual Deus cria; ele contém, juntamente com a ênfase da frase ‘no princípio’, a ideia de criação a partir do nada (ex nihilo creatio)” (p. 2).

John Sailhamer, outro estudioso do assunto, também concluiu na obra Genesis Unbound: A Provocative New Look at the Creation Account (1996, p. 244) que existem grandes diferenças literárias entre o estilo dos mitos do antigo Oriente Próximo e as narrativas bíblicas da criação em Gênesis 1 e 2. Um exemplo disso é que, se, de um lado, todas as narrativas mitológicas da época foram escritas em poesia, de outro, o relato bíblico da criação foi registrado em prosa.

Assim, na ótica desses autores, não há qualquer pista de literatura metafórica ou meta-histórica no Gênesis. Ao contrário disso, se percebe que intencionalmente a estrutura literária desse livro da Bíblia como um todo assume a natureza literal das narrativas da criação.

Cabe ainda mencionar que todo o livro de Gênesis está estruturado segundo a palavra hebraica toledot (gerações, história), repetida treze vezes ao longo das diversas seções do livro. Em outros trechos da Bíblia, esse termo é usado no registro das genealogias, marcando a contagem precisa do tempo.

Outra forte evidência de que Moisés estava se referindo a dias de 24 horas é o uso da palavra hebraica yom (dia). As ocorrências desse termo na conclusão de cada um dos seis dias da criação de Gênesis 1 estão todas conectadas a um numeral ordinal (“primeiro dia”, “segundo dia”, “terceiro dia”, etc.). Uma comparação com as ocorrências do termo em outros lugares da Escritura (359 vezes) revela que tal uso sempre é feito com dias literais.

No livro Estudos Sobre Criacionismo (CPB), um clássico da literatura criacionista que ainda permanece bastante relevante na época atual, Frank Lewis Marsh acrescenta que a ideia de que yom (dia) significa um período de tempo maior do que 24 horas não encontra comprovante nos dicionários hebraicos de renome. “A interpretação de yom como aeon, fonte favorita para os harmonizadores de ciência e revelação, é oposta ao claro sentido da passagem e não tem justificação no uso hebraico” (p. 12).

Além disso, a frase “tarde e manhã”, que aparece na conclusão de cada um dos seis dias de criação, define claramente a natureza dos dias da criação como dias literais de 24 horas. Ressalte-se também que as referências à “tarde e manhã” juntas em outros pontos além de Gênesis 1, invariavelmente, nas 57 vezes em que aparecem no Antigo Testamento, indicam um dia solar literal. Marsh argumenta que o fato de cada dia mencionado no relato bíblico ser composto por um período de luz e de trevas “está em perfeita conformidade com o método do registro de tempo no período mosaico” (p. 179).

Outro ponto a ser considerado é a correlação entre a semana de trabalho da humanidade com a semana de trabalho da divindade. Em Êxodo 20:8, no mandamento do sábado, há uma explícita comparação entre os seis dias da semana de trabalho da humanidade e a semana de seis dias da criação divina. Posteriormente, o sábado a ser observado pelos seres humanos a cada semana é igualado ao primeiro sábado após a semana da criação. Assim, o divino Legislador inequivocamente interpreta a primeira semana como literal, composta de sete dias consecutivos e contíguos de 24 horas literais.

É pertinente também fazer referência ao endosso feito por Jesus e por todos os escritores do Novo Testamento. Cristo e esses autores recorrem a Gênesis 1-11, tendo como pressuposto que essa é uma história literal e confiável. Todos os capítulos de Gênesis 1-11 são referidos em alguma parte do Novo Testamento. O próprio Jesus recorreu a Gênesis 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7.

Em diversas passagens do Novo Testamento, implícita e/ou explicitamente há menção do livro de Gênesis. Em seu artigo “A Criação no Novo Testamento”, publicado no periódico Ciências das Origens, de maio de 2005, o Dr. Ekkerhardt Mueller menciona algumas dessas passagens: “As palavras de Jesus tal como estão registradas nos quatro evangelhos canônicos contêm dez referências à criação. Jesus não somente fez referência a Gênesis 1 e 2. Em Seus discursos também encontramos pessoas – Abel (Mateus 22:35) e Noé (Mateus 24:37-39; Lucas 17:26-27) – e acontecimentos – o dilúvio (Mateus 24:39) – que ocorrem em Gênesis 3-11. Quando lemos essas breves passagens, obtemos a clara impressão de que, segundo Jesus, Noé e Abel não foram figuras mitológicas, mas verdadeiras pessoas humanas, que Gênesis 3-11 é uma narrativa histórica que não deve ser entendida simbolicamente, e que o dilúvio foi um evento global que realmente ocorreu (Gênesis 6:8). Portanto, é de se esperar que Jesus utilizasse o mesmo enfoque sobre a interpretação bíblica quando se referiu à criação. E isso é exatamente o que encontramos nos evangelhos.”

Somado a tudo isso, Frank Lewis Marsh acrescenta em seu livro outras duas boas razões para concluirmos que os dias da semana da criação foram literais. Como explicar, por exemplo, pela ótica da evolução teísta, a relação das plantas com o período escuro? “No terceiro dia todas as espécies de plantas apareceram, as que produziam flores e sementes, bem como as formas mais simples. Evidentemente, se este ‘dia’ fosse um período de tempo geológico, todas as plantas teriam perecido durante esses milhões de anos de escuridão, antes que a luz do quarto dia iluminasse o mundo” (Estudos Sobre Criacionismo, p. 179, 180).

Raciocínio semelhante se aplica à dependência entre plantas e animais. Conforme o primeiro capítulo de Gênesis, as plantas foram criadas no terceiro dia, porém nenhum animal veio à existência antes do quinto dia. Uma vez que a dependência entre plantas e animais é um fato muito evidente no mundo dos seres vivos, seria ilógico imaginar que longas eras separam esses dois momentos da criação. “Para ilustrar, só em matéria de polinização, multidões de plantas não se reproduziriam sem a colaboração dos insetos. Contudo, o registro declara que as plantas com semente se reproduziam desde o princípio. Isso não podia ser assim se os insetos não tivessem aparecido senão 20 ou 40 milhões de anos mais tarde, como sucederia se os dias fossem períodos geológicos” (p. 180).

A criação literal e a teologia bíblica

A negação da crença na criação em seis dias de 24 horas contraria o caráter de Deus. “Que tipo de Deus teria criado a vida por meio da morte e de extinções ao longo de milhões de anos? Certamente, não o Deus que percebe quando uma ave cai no chão”, questiona o ex-evolucionista Michelson Borges, jornalista e mestre em Teologia que hoje defende a visão criacionista.

Para ele, endossar esse “método” implica negar o fato de que, segundo a Bíblia, a morte entrou no mundo por causa do pecado (Rm 5:12; 6:23). Na ótica do evolucionismo teísta, no entanto, a morte é o meio para que ocorra o progresso das criaturas.

Borges, que é autor dos livros A História da Vida e Por Que Creio, lembra também que tal crença tira de vista a doutrina da salvação. Afinal, “se a humanidade tem evoluído durante milhões de anos e está sempre evoluindo, por que precisamos de um Salvador?” E mais: a própria promessa feita em Gênesis 3:15, considerada a primeira profecia messiânica das Escrituras, deixa de fazer sentido.

Do mesmo modo, outras verdades bíblicas são seriamente comprometidas, como a guarda do sábado (o sétimo dia), as bases do matrimônio (a definição do que é o casamento passa a ser definida pela cultura), a remissão da humanidade (remir de quê?), a necessidade de salvação, a ideia de um juízo e, finalmente, a esperança na segunda vinda de Cristo. Todas essas doutrinas dependem da interpretação literal das origens. Sem isso, elas podem parecer vulneráveis e pôr em risco a confiabilidade de todo o conteúdo das Escrituras Sagradas e até mesmo a onipotência de Deus. Por que seria necessário tornar “humanamente” viável ou compreensível a criação? Quem teria interesse nisso? Por que não podemos absorver como isso aconteceu, então não pode ter de fato acontecido? “Eu Te louvarei, porque de um modo assombrosoe tão maravilhoso fui feito; maravilhosas são as Tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem” (Sl 139:14).

Ao mostrar quão problemática é a tentativa de misturar a visão evolucionista com o criacionismo bíblico, Richard Davidson ressalta: “No fluxo canônico geral das Escrituras, por causa da ligação inseparável entre a origem (Gn 1-3) e o fim dos tempos (Ap 20-22), sem um começo literal, não há um fim literal” (p. 19). Ou seja, se o início da história da humanidade é apresentado na Bíblia de maneira alegórica, de igual forma seria seu fim, o que significaria que a volta de Cristo não se daria como nós, adventistas, acreditamos e pregamos.

As três mensagens angélicas de Apocalipse 14:6-12 são o fundamento dessa igreja. A primeira delas, trata da pregação do evangelho eterno, que nos convida a adorar “Aquele que fez os céus, a terra, o mar e as fontes das águas” (Ap 14:7). No limiar da história da humanidade, o povo é convocado a se lembrar do Deus Criador. Essa convocação é uma clara defesa ao efervescente crescimento de teorias que anulam ou minimizam a atuação de uma mente inteligente por trás da formação do mundo.

A Igreja Adventista tem sido reconhecida como uma das guardiãs dessa verdade bíblica. Eduardo R. da Cruz, que não professa essa fé, em seu livro Teologia e Ciências Naturais, afirma que “uma das denominações mais importantes no desenvolvimento do criacionismo foi (e ainda é) a Igreja Adventista do Sétimo Dia. […] Enfatizando a leitura literal da Bíblia (base para sua afirmação de que o sábado seria o verdadeiro dia de repouso ordenado por Deus). Ellen White e outros fundadores afirmaram que o mundo teria sido criado em seis dias literais”.

Embora, como observou Reinaldo José Lopes na revista Superinteressante, alguns grupos, como as denominações evangélicas surgidas do século 19 em diante, tenham insistido “na verdade literal das Escrituras Sagradas, considerando-as fontes confiáveis não só para temas espirituais mas também científicos”, hoje são raras as denominações que ainda defendem esse ponto de vista. Como adventistas, somos praticamente uma voz isolada nesse universo de teologias controvertidas, cada vez mais diluídas no naturalismo filosófico. E não devemos perder de vista nossa missão de anunciar ao mundo o iminente retorno daquele que fez o céu, a terra e as fontes das águas.

Como aconselhou Gleason Archer, professor na Universidade Harvard que é considerado uma autoridade entre os eruditos do Antigo Testamento, ao teólogo adventista Richard Davidson após ter participado de um Encontro Anual da Sociedade Evangélica: “Vocês adventistas do sétimo dia são a única denominação que corajosa e oficialmente afirma as verdades bíblicas da origem da Terra. Por favor, não abandonem seu forte posicionamento em favor da semana da criação em sete dias literais e de um dilúvio global.” Assim faremos!

A oferta de Caim, a falsa adoração e a autojustificação

caim abelPor que Deus rejeitou a oferta de Caim, em Gênesis 4?

Em Gênesis capítulo 4, encontramos o triste relato do primeiro homicídio da história humana, quando Caim mata o irmão Abel. No livro Patriarcas e Profetas, Ellen White comenta: “Caim veio perante Deus com íntima murmuração e incredulidade, com respeito ao sacrifício prometido e necessidade de ofertas sacrificais. Sua dádiva não exprimia arrependimento de pecado. Achava, como muitos agora, que seria um reconhecimento de fraqueza seguir exatamente o plano indicado por Deus, confiando sua salvação inteiramente à expiação do Salvador prometido. Preferiu a conduta de dependência própria. Viria com seus próprios méritos. Não traria o cordeiro, nem misturaria seu sangue com a oferta, mas apresentaria seus frutos, produtos de seu trabalho. Apresentou sua oferta como um favor feito a Deus, pelo qual esperava obter a aprovação divina. Caim obedeceu ao construir um altar, obedeceu ao trazer um sacrifício, prestou, porém, apenas uma obediência parcial. A parte essencial, o reconhecimento da necessidade de um Redentor, ficou excluída.”

Escreveu também: “Esses irmãos foram provados, assim como o fora Adão antes deles, para mostrar se creriam na Palavra de Deus e a obedeceriam. Estavam cientes da providência tomada para a salvação do homem, e compreendiam o sistema de ofertas que Deus ordenara. Sabiam que nessas ofertas deveriam exprimir fé no Salvador a quem tais ofertas tipificavam, e ao mesmo tempo reconhecer sua total dependência dEle, para o perdão; e sabiam que, conformando-se assim ao plano divino para a sua redenção, estavam a dar prova de sua obediência à vontade de Deus. Sem derramamento de sangue não poderia haver remissão de pecado; e deviam eles mostrar sua fé no sangue de Cristo como a expiação prometida, oferecendo em sacrifício o primogênito do rebanho. Além disso, as primícias da terra deviam ser apresentadas diante do Senhor em ação de graças.

“Os dois irmãos de modo semelhante construíram seus altares, e cada qual trouxe uma oferta. Abel apresentou um sacrifício do rebanho, de acordo com as instruções do Senhor. ‘E atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta’ (Gn 4:4). Lampejou o fogo do Céu, e consumiu o sacrifício. Mas Caim, desrespeitando o mandado direto e explícito do Senhor, apresentou apenas uma oferta de frutos.”

O assunto é bem claro: Caim procurou se autojustificar ao desprezar o sangue do Cordeiro. Para ele, Deus tinha que aceitar a oferta que ele trouxesse, do jeito dele. O que importava era a vontade e a disposição do adorador, não a vontade do Ser adorado. Para alguns leitores mais atentos da Bíblia, o verso 7 desse capítulo é o mais problemático. Por isso, procurando deixar tudo mais claro, o pastor e mestre em Teologia Eleazar Domini oferece a seguinte explicação/exegese com base no texto original hebraico:

“O texto diz: ‘Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo’ (Gn 4:7). De que ‘porta’ o texto está falando? Muitos interpretam esse texto da seguinte forma: ‘Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta [do coração]; o seu desejo [desejo do pecado] será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo [tem que dominar o pecado] (Gn 4:7), o que dá margem até mesmo para interpretações perfeccionistas. A questão toda é que chatat é uma palavra feminina, e os sufixos utilizados no verso são masculinos. Ou seja, há uma aparente contradição, se traduzirmos chatat por ‘pecado’. Vejamos como está no hebraico: ‘Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado [palavra feminina] jaz à porta [veremos que porta é essa]; o desejo dele será para ti, e sobre ele dominarás’ (Gn 4:7). No hebraico, está literalmente assim. Por isso, aqui cabe uma exegese bem-feita, para não errarmos no que o texto está dizendo:

“1. Não somos capazes de dominar o pecado sozinhos. Já há um grave erro teológico aqui. Isso é perfeccionismo puro. Vencer o pecado não cumpre a mim, cumpre a Cristo por mim e em mim.

“2. Uma análise mais acurada do texto demonstra que, como disse antes, o termo chatat pode ser, e é mais bem traduzido nesse texto por oferta pelo pecado e não ‘pecado’. Porque, se não, como responder a esta pergunta: ‘Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado [palavra feminina] jaz à porta; o desejo dele [Dele quem? Se chatat é feminina, quem é esse ele?) será para ti, e sobre ele [ele quem?] dominarás’ (Gn 4:7).

“Logo, há um erro gravíssimo de tradução que precisa ser revisto. Mas, se analisarmos o texto como ele está, precisaremos buscar o antecedente masculino mais próximo, que é Abel, no verso 4. Logo, o ele do texto não tem que ver com chatat, mas com Abel. E por que Abel? O que isso tem que ver com a história?

“Ao Deus aceitar Abel e rejeitar Caim, é como se Abel estivesse herdando o patriarcado, a herança, a primogenitura. Ninguém rejeitado por Deus seria escolhido para ser o próximo patriarca depois de Adão. Daí o ódio de Caim contra seu irmão.

“Agora vamos a uma tradução mais correta do texto: ‘Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que uma oferta pelo pecado [palavra feminina] jaz à porta [do jardim, não do coração; era na porta do jardim que Adão e Eva ofereciam seus holocaustos, segundo Ellen White]; o desejo dele [de Abel, que é o antecedente masculino mais próximo] será para ti, e sobre ele [Abel] dominarás’ (Gn 4:7).

“As expressões ‘desejo’ e ‘domínio’ têm as mesmas nuances de quando Deus diz a Eva que o desejo dela seria para o marido e ele dominaria (no sentido de ele ser o cabeça da casa, o cabeça da mulher). Nesse caso, se Caim voltasse e fizesse o que Deus mandou, o desejo de Abel seria para ele outra vez e ele dominaria sobre Abel de novo, ou seja, Caim voltaria a seu status de primogênito e seria o chefe da família, dominando sobre Abel. Mas ele não aceitou isso e matou o irmão. Detalhe: a Tradução Etíope traz essa mesma visão.

“Resumindo: o problema de Caim foi oferecer algo que Deus não havia pedido. Ofereceu algo diferente do que Deus solicitou. Aqui está um princípio básico para a adoração: adoração não é o que eu quero dar para Deus; adoração é o que Deus pede de mim. Nem sempre o que eu quero dar, mesmo que de coração, é o que Deus está solicitando. Caim entregou a oferta errada e por isso foi rejeitado. Não foi rejeitado por outro motivo, apenas por esse. É claro que foi um fruto de seu coração rebelde, e por isso Deus o rejeitou, e depois rejeitou a oferta dele. Mas a rejeição ocorreu por causa da oferta errada. Não se pode rejeitar o Cordeiro impunemente.”

(Se quiser aprofundar esse assunto, leia “At the door of Paradise: A contextual interpretation of Genesis 4:7”, publicado em Biblische Notizen 100 (2000): 45-59; Joaquim Azevedo, ex-professor do Salt-Iaene, é PhD em Religião pela Andrews University e diretor do Departamento de Religião da Southwestern Adventist university, Keene, Texas, USA)

O dia em que o Sol parou no céu

josueO Sol realmente parou no céu, como relata o livro de Josué, na Bíblia?

“A Bíblia é a palavra inspirada de Deus e fonte de toda a verdade, entretanto, foi escrita por homens de culturas diferentes, com conhecimentos diferentes e em épocas também diferentes, num período de mais de 1.600 anos. Essa linguagem poderia conter ‘erros’, uma vez que o conhecimento humano acerca da natureza esteve sempre em mudança. Entretanto, não seriam erros no sentido estricto, mas formas diferentes de entender o mundo que nos rodeia. Esse conhecimento acerca do mundo e de como ele funciona foi diferente para Abraão, Moisés, Josué, Davi, Paulo e outros. Entretanto, essa linguagem humana transmitia uma mensagem muito superior, de índole puramente religiosa, esta, sim, imutável, pois a Palavra de Deus não muda. Para que Deus pudesse Se comunicar com o ser humano Ele teria que Se expressar na linguagem e na cultura humanas, caso contrário, não seria entendido e a Bíblia se tornaria um livro de acesso somente aos ‘iniciados’, mas esse não é o objetivo do Livro sagrado. Voltando ao caso de Josué, alguma coisa sobrenatural realmente aconteceu. Do ponto de vista de um observador na Terra, o Sol realmente se deteve e voltou a se movimentar lentamente até o fim do dia, o que sugere uma visão de mundo geocêntrica. Se não foi o Sol que parou, foi a Terra que deixou de girar. Se isso acontecesse naturalmente, ou seja, se a Terra parasse de girar de forma repentina, é provável que toda a vida teria sido extinta. Afinal, a velocidade de rotação, por exemplo, em Brasília, é da ordem de 1.600 km/h. Qualquer pessoa ou coisa nesse paralelo seria arremessada tangencialmente para a atmosfera a essa velocidade. Uma catástrofe sem dimensões! Nesse caso, prefiro aceitar pela fé que Deus operou um grande milagre, como tantos outros.” (Marcos Natal de Souza é doutor em Geologia e presidente da Sociedade Criacionista Brasileira)

“A rigor, se a Terra para de girar, é tecnicamente correto dizer que o Sol para no céu. E isso não é Relatividade. Já se usavam diferentes referenciais na teoria de Newton também. Considerar a Terra como parada e o resto do Universo como girando ao redor é um referencial possível e até utilizado na prática, dependendo da aplicação. Não é tecnicamente errado fazer isso. O problema é que esse não é um referencial inercial e faz com que as leis físicas pareçam muito mais complexas do que o necessário. Por isso, em geral, os físicos usam outros referenciais. Também trabalhamos com abordagens independentes de referenciais. Na Relatividade, por exemplo, podemos usar uma notação da Geometria Diferencial que independe de referenciais, mas normalmente preferimos trabalhar com referenciais que simplifiquem os cálculos, após provar que as equações utilizadas são válidas em todos os referenciais. Outro detalhe: se frearmos um carro bruscamente, sentimos os efeitos da aceleração. Se o carro bater, a aceleração (taxa de alteração de velocidade) é tão alta que tem efeitos catastróficos. Mas, se pararmos um carro por meio de um campo gravitacional, ninguém nota. Se Deus parou a rotação da Terra por meio de um campo gravitacional bem planejado, isso não causaria qualquer efeito observável na Terra. Em suma, quando Josué diz que o Sol parou, está tecnicamente correto, pois o referencial usado era obviamente o do ambiente dele, ou seja, da superfície da Terra.” (Eduardo Lütz é astrofísico e engenheiro de softwares)

“Josué 10:12-14 relata um episódio que teria acontecido cerca de 1400 a.C. O incidente, cuja singularidade é reconhecida na Bíblia (‘Não existiu nenhum dia como esse, antes ou depois’), ocorreu do outro lado da Terra, em relação aos Andes situados na América do Sul, descrevendo um fenômeno oposto, mas complementar astronomicamente ao que ocorrera no Peru. Ao contrastarmos os dois relatos, percebemos que, em Canaã (Oriente Médio), o Sol não se pôs por cerca de vinte horas; nos Andes, o sol não se levantou pelo mesmo período de tempo.” (Quer saber mais sobre isso? Leia este texto interessante do mestre em Imunogenética Everton Fernando Alves)

Nota: Uma ótima explicação sobre o “dia longo de Josué” está no documento “Ajuda a um terraplanista”, do físico Eduardo Lütz, na página 85 (confira aqui). Aliás, envie esse documento aos seus amigos terraplanistas. O desafio é forte!

O sábado está sendo guardado no dia correto?

calendarLevando em conta que houve mudanças nos calendários, como saber se estamos guardando o sábado no dia correto hoje em dia?

“Há um grupo chamado World’s Last Chance (WLC) dizendo que o calendário lunar foi estabelecido por Deus e o calendário gregoriano, pela Igreja Católica com o objetivo de mudar os tempos e as leis. De acordo com essas pessoas, a Igreja Adventista teve “medo” de divulgar essa “verdade” depois do grande desapontamento de 1844. Dizem que não estamos adorando a Deus, o Criador, no dia estabelecido por Ele durante a semana da criação, ou seja, estamos adorando em um dia qualquer. Desde já agradeço a atenção e aguardo ansioso sua resposta.”

Resposta: Essas pessoas afirmam que o sábado não é o sétimo dia do ciclo semanal, mas o sétimo dia do “calendário lunissolar” proposto por eles, sendo que o primeiro dia do mês (“lua nova”) e o último dia do mês precedente – caso este tenha tido 30 dias – são considerados “não-dias”. Assim, o “sábado” seria sempre o 8º, 15º, 22º e 29º dias do mês nesse calendário.

No site deles é apresentada uma série de pressuposições que na verdade são falsas. Logo no início, é dito que “o primeiro dia da festa dos pães asmos era no dia 15 [do mês de abibe], que era um sábado”. A WLC afirma que esse era um sábado semanal, e a única “prova” que apresentam disso é o argumento de que nesse dia havia uma “santa convocação”. Ora, esse argumento não tem validade nenhuma, porque havia “santa convocação” não só no sábado semanal, mas em todos os sábados cerimoniais. Assim, havia santa convocação também no sétimo dia da festa dos pães asmos (Lv 23:8), na festa das primícias ou pentecostes (Lv 23:20, 21), na festa das trombetas (Lv 23:24), no dia da expiação (Lv 23:27), e no primeiro e último dias da festa dos tabernáculos (Lv 23:34-36). Destes, eles consideram que o dia 15 do primeiro mês e os dias 15 e 22 do sétimo mês eram sábados semanais. Baseados em quê?

Para sustentar suas pressuposições, dizem ainda que “Israel saiu do Egito na noite de 15 de abibe” (já que consideram que o dia 15 era um sábado). A Bíblia diz: “Aconteceu que, ao cabo dos quatrocentos e trinta anos, nesse mesmo dia, todas as hostes do Senhor saíram da terra do Egito. Esta noite se observará ao Senhor, porque, nela, os tirou da terra do Egito; esta é a noite do Senhor, que devem todos os filhos de Israel comemorar nas suas gerações. Disse mais o Senhor a Moisés e a Arão: Esta é a ordenança da Páscoa: nenhum estrangeiro comerá dela” (Êx 12:41-43). A Bíblia é clara em dizer que os israelitas saíram nesse mesmo dia. Que dia? Ora, o dia 15 de abibe. Se tivessem saído à noite, já não seria dia 15 de abibe, mas 16 (já que o novo dia se inicia ao pôr-do-sol). E que noite é essa, em que a Bíblia diz que Deus “os tirou da terra do Egito”? A noite que “se observará ao Senhor”, e, portanto, a noite do dia 15, em que o povo comeu a Páscoa, e não a do dia 16. Não há como escapar ao fato de que os israelitas saíram em sua jornada no dia 15 e, portanto, que esse dia não poderia ser um sábado.

Outras “provas” são acrescentadas que absolutamente não são provas. Por exemplo, o argumento de que o maná cessou no dia 16 de abibe e que, portanto, o dia anterior seria um sábado semanal em que o maná não caiu. Qual a lógica desse argumento? Nenhuma. O maná cessou no dia 16 porque no dia 15 eles já comeram pães asmos feitos com o fruto da terra.

Outra “prova”, retirada do livro de Ester, diz que “o 15º dia do 12º mês foi um dia de descanso, o que torna o 8º, 22º e 29º dias, dias de descanso também”. O que a Bíblia diz é que uma parte dos judeus fez do dia 14 um dia de banquetes e de alegria pela vitória sobre seus inimigos, e que os judeus de Susã fizeram isso no dia 15. Então, “Mordecai […] enviou cartas a todos os judeus que se achavam em todas as províncias do rei Assuero, […] ordenando-lhes que comemorassem o dia catorze do mês de adar e o dia quinze do mesmo, todos os anos, como os dias em que os judeus tiveram sossego dos seus inimigos” (Et 9:20-22). Dois dias foram instituídos como feriados, e isso não tem nada a ver com o sábado.

O calendário dos judeus era realmente lunissolar, mas esse calendário seguia o ciclo semanal normalmente e não havia nenhum dia considerado “não-dia” da semana. O mês começava quando a estreita faixa de lua nova era avistada; os meses eram lunares, de 29 ou 30 dias. Como isso perfazia apenas cerca de 354 dias no ano, ou seja, deixava o ano cerca de 11 dias mais curto, a fim de manter o ano em harmonia com as estações, um mês adicional era intercalado cada vez que a cevada ainda não estava madura para a Páscoa. Assim, o calendário lunar era mantido em harmonia com o ano solar, e, portanto, o calendário era lunissolar.

Aqui é dito que em 31 d.C. “não se tem e não se pode ter uma crucifixão na sexta-feira”. Isso é totalmente contestado no livro Chronological Studies Related to Daniel 8:14 and 9:24-27, de Juarez Rodrigues de Oliveira. A crucifixão é possível em 31 d.C., não, porém, numa sexta feira, 14 de abibe/nisã, mas numa sexta-feira 15.

Com base nesse “problema”, tomam uma carta de M. L. Andreasen para Grace Amadon e dizem que ele argumentou contra a adoção de um calendário em que o sábado “flutuava” ao longo da semana moderna, calendário este que estava sendo advogado por alguns da comissão. O problema não era esse. Na carta, Andreasen argumenta contra a adoção de um calendário como o que era usado nos tempos bíblicos, porque “embora o esquema proposto não afete de maneira alguma a sucessão dos dias da semana, e, portanto, não afete o sábado” (o que é justamente o contrário do que a WLC afirma que ele disse), a adoção de um calendário assim pela igreja causaria confusão, porque, devido ao fato de o crescente lunar, que marca o início do mês, se tornar visível em dias diferentes nas diversas localidades, as pessoas dessas diversas localidades poderiam começar seus meses em dias diferentes (por exemplo, cidades vizinhas poderiam estar, uma no último dia de um mês, outra já no primeiro dia do outro).

Os guardadores do sábado lunar estão divididos quanto ao que fazer nos dias 30 de um mês e 1º do mês seguinte, que são os dias da “festa da lua nova”. Alguns descansam nesses dias, considerando-os uma extensão do sábado do dia 29; outros se abstêm apenas de atividades comerciais e emprego remunerado, mas podem realizar outras tarefas comuns. Então, na última semana do mês, (1) no primeiro caso, trabalham seis dias e descansam três (em vez de um); (2) no segundo caso, trabalham sete ou oito dias (em vez de seis), antes de descansar um dia. Com qualquer dos dois métodos, o mandamento do Criador de que se trabalhasse seis dias e se descansasse no sétimo é violado. (Confira aqui.)

(Rosangela Lira é formada em Teologia)