Ao vir à Terra, Jesus assumiu um corpo humano; ao ascender ao Céu, levou consigo o corpo da ressurreição. Isso teria feito com que Ele perdesse um de Seus atributos divinos?
Ultimamente várias perguntas nos têm sido feitas para que esclareçamos se Cristo realmente perdeu Sua Onipresença. O problema surgiu destas duas circunstâncias: (1) a promessa de Cristo de enviar o Espírito Santo (João 14:16), e a declaração de Ellen G. White: “Embaraçado com a humanidade, Cristo não poderia estar em toda parte em pessoa. Era, portanto, do interesse deles que fosse para o Pai, e enviasse o Espírito como Seu sucessor na Terra”; (2) descuidadas notas de Lições da Escola Sabatina, as quais analisaremos nesta matéria.
Atributos divinos
Para compreender melhor o assunto, seria bom saber alguma coisa sobre os atributos divinos. Devemos distinguir entre a natureza de Deus e Seus atributos. A natureza de Deus constitui o Ser; os atributos revelam o Ser. Deve-se ainda notar que os atributos não são Deus, mas são os modos e as qualidades Dele. Várias classificações têm sido apresentadas: uns falam em atributos naturais e morais; um segundo grupo prefere falar em atributos absolutos e relativos. A mais comum, todavia, é falar em atributos incomunicáveis ou imanentes, e comunicáveis ou emanentes.
Atributos incomunicáveis são privativos de Deus, e não podem ser encontrados no ser humano: onipotência, onipresença, onisciência imutabilidade. Por outro lado, atributos comunicáveis são aqueles que a Divindade transfere ao ser humano, tais como: bondade, amor, justiça, paciência, longanimidade, misericórdia, etc.
Conhecendo o problema
A declaração de O Desejado de Todas as Nações, página 644 – “Embaraçado [ou limitado] com a humanidade…” – se explica por si mesma. Cristo, ao estar na Terra, era tanto Deus quanto Homem, mas tinha uma missão a cumprir exclusivamente como Homem, não podendo, portanto, utilizar-Se de Sua divindade para benefício próprio ou no cumprimento de tal missão. A prova de que a divindade estava Nele presente é que Sua maior tentação foi usar o poder divino que possuía (ver Mateus 4:1-11). Limitado pela humanidade, Ele não poderia estar em toda parte, mas, como divino, isso era perfeitamente possível.
Se, em Sua humilhação, Cristo não usou os atributos divinos independentemente do Pai, é evidente que, concluída essa fase na Terra, podia usá-los livremente. Tanto é que Seu primeiro ato após concluir Sua missão na cruz foi ressuscitar-Se a Si próprio pelo poder divino que possuía.[2]
Ensinar que Cristo perdeu a onipresença é mais uma das artimanhas do inimigo para diminuir o Salvador de Seu todo-suficiente sacrifício em nosso favor. Declarar que Ele perdeu a onipresença seria negar Sua divindade, uma das mais sérias heresias que a Igreja Cristã enfrentou através dos séculos, e enfrenta em nossos dias.
Cristo é Deus, pois o Novo Testamento assim o denomina sete vezes (João 1:1; 20:28; Romanos 9:5; Tito 2:13; Hebreus 1:8; 2 Pedro 1:1; João 5:20). Se é Deus, é perfeito, logo não pode ganhar nem perder nada. O pastor Daniel Porto declarou convincentemente: “É bastante eliminar um dos atributos de Deus para que Ele deixe de ser Deus.”[3]
Ampliando o problema
Quanto às notas de Lições da Escola Sabatina, três merecem destaque:
a) Dia 7 de abril de 1977: “Quando Jesus Se tornou carne, despiu-Se dos poderes da Divindade e Se tornou absolutamente dependente do Pai e do Espírito Santo.”
Não tive condições de averiguar se o verbo “despir-se” foi bem traduzido do inglês, ou se foi uma infelicidade de tradução. Despir-se é pôr de lado, abandonar, despojar-se. Jesus não deixou Sua natureza divina ao estar na Terra; Ele possuía as duas naturezas. De Divindade Ele passou à humanidade, esvaziou-Se, sem deixar de Ser Deus. Ellen White contesta a ideia de Cristo despir-Se ou despojar-Se da natureza divina:
“Jesus tomou a humanidade e a acrescentou à Divindade. Ele revestiu Sua divindade com a humanidade.”[4] “A Divindade e a humanidade combinaram-se misteriosamente, e o homem e Deus se tornaram um.”[5] “Cristo não podia ter vindo à Terra com a glória que possuía nas cortes celestiais. Seres humanos pecadores não suportariam vê-Lo. Ele velou Sua divindade com a roupagem da humanidade, porém, não Se desfez de Sua divindade.”[6]
Não Se desfazer da divindade é a maior prova de que também não Se desfez da onipresença.
b) Dia 11 de março de 1983: “Jesus, como Ser humano, está na presença de Deus no Céu, comparecendo ali por nós. Visto que Ele sempre continuará sendo humano, está restringido a um lugar no espaço e no tempo (ver O Desejado de Todas as Nações, ed. popular, p. 644).”
Como humano, Cristo estaria limitado pelo espaço, mas, como divino, jamais, porque Deus não pode ser limitado nem pelo espaço nem pelo tempo. Uma das provas conclusivas de não estar limitado pelo espaço se encontra em Seu aparecimento a dois discípulos no caminho de Emaús (Lucas 24:13-31), e aos outros em Jerusalém (Lucas 24:36, 37).
A publicação adventista Questões Sobre Doutrina (explicação de nossas crenças fundamentais, à página 77) afirma: “O fato de Cristo ter-Se tornado homem de modo algum fez com que Sua divindade fosse restringida ou subtraída.”
c) Dia 8 de setembro de 1986: “Visto, porém, que ‘Cristo levou Sua humanidade para a eternidade’ (Comentários de Ellen G. White, SDABC, v. 7, p. 925) e está restringido a um corpo humano e não pode mais estar presente em toda a parte como sucedia antes da encarnação, ‘Ele habita agora em Seus seguidores por meio do Espírito Santo’. […] É por meio do Espírito Santo que Cristo habita em nós” (deve-se notar bem que apenas o que se encontra entre aspas simples pertence a Ellen G. White; o restante é do autor da Lição).
Como igreja, é importante que não permitamos nenhum erro doutrinário entre nós. A afirmativa do autor da Lição – “…não pode mais estar presente em toda parte como sucedia antes da encarnação…” – não se harmoniza com outras declarações do Espírito de Profecia e com os ensinos das Escrituras.
A seguinte verdade deve ser lembrada: cada pessoa da Trindade desempenha específica função em benefício do ser humano, mas isso não significa que cada uma não possa desempenhar a função da outra.
Nas 50 proposições sobre nossas crenças e ensinos há esta: “Cremos que a Divindade, ou Trindade, consiste do Eterno Pai, Ser Pessoal, espiritual, onipotente, onipresente, onisciente, infinito em sabedoria e amor; do Senhor Jesus Cristo, Filho do Eterno Pai, através de quem todas as coisas foram criadas e por quem se realizará a salvação dos remidos; do Espírito Santo, terceira pessoa da Divindade, o grande poder regenerador na obra da redenção (S.Mat.28:19).”[7]
A função de cada membro da Trindade é a seguinte: “Deus no trono do Universo, Jesus no trono da graça e o Espírito Santo no trono do coração humano trabalham para a nossa salvação.”[8]
O Pai provê, o Filho realiza e o Espírito Santo aplica. Concluir que Cristo, por conservar Seu corpo humano após a encarnação, perdeu a onipresença é errado, porque seria crer que Ele deixou de ser divino. “Cristo é Deus perfeito, mas nunca deixou de ser Homem perfeito, desde o momento da encarnação. O Ser que subiu ao Céu e está assentado à destra de Deus Pai é Homem e também Deus. Cristo é Homem perfeito, mas nunca deixou de ser Deus perfeito.”[9]
Referências bíblicas
Há inúmeras provas bíblicas da onipresença de Cristo:
Mateus 18:20: “Porque onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, ali estou no meio deles.”
Hebreus 13:8: “Jesus Cristo ontem e hoje é o mesmo, e o será para sempre.” Valiosa prova de que Cristo não poderia ter perdido nada está em Sua imutabilidade.
Os versos 19 e 26 de João 20 comprovam que Cristo, após a ressurreição, não estaria restringido a um corpo humano.
A declaração de Lucas (Atos 9:5) do aparecimento de Cristo a Paulo cientifica-nos de que Ele pode aparecer em qualquer lugar.
A maior evidência bíblica de que Cristo, tomando a natureza humana, não perdeu nada da divindade se encontra na conhecida declaração paulina: “Portanto Nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade” (Colossenses 2:9). O Comentário Bíblico Adventista traz a seguinte nota sobre esse verso: “Em Cristo habita a soma total da natureza e dos atributos de Deus. Todas as funções e poderes da divindade residem continuamente Nele. Toda a plenitude de Deus é revelada em Cristo. A extensão do termo pleroma, ‘plenitude’, é sem limite no tempo, no espaço e em poder. Tudo quanto Deus é, cada qualidade da Divindade – dignidade, autoridade, excelência, poder para criar e sustentar o mundo, energia para manter e guiar o Universo, amor que levou a redimir o ser humano, presciência a fim de suprir todas as coisas necessárias a cada uma de Suas criaturas – repousa em Cristo.”[10]
Sobre Colossenses 1:19, afirma o mesmo comentário: “Em Cristo se encontra a perfeita expressão da Divindade de maneira completa e eterna.”[11]
Na carta aos colossenses, Paulo está condenando a heresia gnóstica, que não aceitava a plenitude da divindade de Cristo, apresentando-O como um semideus, destituído de alguns atributos divinos.
Colossenses 1:19 e 2:9 contestam hoje, frontalmente, conclusões errôneas a que chegaram membros de nossa igreja, por interpretarem mal declarações bíblicas e do Espírito de Profecia.
Esses dois versos seriam suficientes para provar que Cristo não perdeu o atributo da onipresença. Onipresença é propriedade inerente a Cristo, logo continuará existindo com Ele por toda a eternidade.
Não perdendo nenhum atributo em Sua humilhação, é evidente que, terminada essa fase, pode perfeitamente usar todos os atributos que Lhe são peculiares.
A Cristologia nos ensina que Cristo é onipresente, mas pode ser que nem sempre faça uso desse atributo. Não usar alguma coisa, todavia, não significa a sua perda.
No Espírito de Profecia
Além das citações já feitas, as seguintes declarações do Espírito de Profecia quanto à onipresença de Cristo também merecem ser destacadas:
“O pequeno grupo reunido para adorar a Deus no Seu santo dia tem direito a reclamar as bênçãos de Jeová e pode estar certo de que o Senhor Jesus será honroso visitante em suas reuniões.”[12]
“Não obstante a aparente vitória de Satanás, Cristo está levando avante Sua obra no Santuário celeste e na Terra.”[13]
“A divindade não foi degradada ou mutilada pela humanidade.”
Essas declarações seriam suficientes para dirimir qualquer dúvida que ainda paire na mente de alguém.
Conclusão
Por mais que alguém pesquise tanto na Bíblia quanto no Espírito de Profecia, não encontrará nenhum texto que dê margem à conclusão de que Cristo perdeu Sua onipresença ao tomar sobre Si a humanidade. Possuindo as duas naturezas, como humano não pode ser onipresente, mas como divino é Senhor de todos os atributos.
Demos graças a Deus por termos um Salvador perfeito, completo, banindo da mente a falsa ideia de um Cristo mutilado.
(Pedro Apolinário foi professor de Teologia no Seminário Adventista Latino-americano de Teologia)
Referências:
1. O Desejado de Todas as Nações, p. 644.
2. O Desejado de Todas as Nações, p. 753.
3. Revista Adventista, março de 1984, p. 6.
4. Review and Herald, 5/7/1887.
5. Signs of the Times, 30/6/1896.
6. Review and Herald, 15/6/1905.
7. Questions on Doctrine, p. 45.
8. Revista Adventista, março de 1984, p. 7.
9. Comentário do Evangelho Segundo S. João, p. 15, J. C. Ryle.
10. Seventh-day Adventist Bible Commentary, v. 2, p. 202.
11. Ibidem, p. 193.
12. Testemunhos Seletos, v. 3, p. 27.
13. Obreiros Evangélicos, p. 26.
14. Review and Herald, 18/2/1890, citado em SDABC, v. 5, p. 918.
Nota de Michelson Borges: “Na Terra, Jesus ocultou Sua divindade (embora algumas vezes ela tenha irrompido através da carne). Aqui Ele não era onipotente, onisciente nem onipresente. Por quê? Porque tinha uma missão específica: vencer como ser humano onde Adão caiu. De volta ao Céu, missão cumprida, não faz sentido algum continuar ‘esvaziado’ de Seus atributos inerentes. Só porque mantém um corpo humano glorioso (identificação conosco, por amor), isso não quer dizer que estará para sempre limitado (um texto claro sobre isso não existe). O Espírito Santo é substituto de Jesus enquanto o conflito se processa, já que Cristo está no santuário celestial cumprindo outra função. Os Consoladores ‘trocaram de papel’. Mas o fato de Jesus estar no santuário não O limita àquele espaço. Prova disso é que, estando lá (‘vivendo SEMPRE para interceder [pelos pecadores]’), Ele apareceu a Saulo, João e tantos outros). Não podemos limitar Deus aos nossos esqueminhas mentais, nem defender a ideia absurda de que o Criador teria perdido atributos inerentes Dele. Isso beira a heresia. ‘Deus sempre foi. Ele é o grande EU SOU. […] Ele é infinito e onipresente. Nenhuma de nossas palavras pode descrever Sua grandeza e majestade’ (Ellen White, Olhando Para o Alto, p. 363).”
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