Estaria o nome de Jesus relacionado ao porco?

Uma hipótese falaciosa afirma que o nome de Jesus é uma fabricação posterior para ridicularizá-Lo.

jesus

Com o avanço da (des)informação através da internet as pessoas têm acreditado em praticamente qualquer coisa que leem em suas telas, por mais absurda que seja – especialmente quando se trata de teorias de conspiração. Frequentemente, pessoas mal-intencionadas inventam essas coisas para que pessoas bem-intencionadas as divulguem. Sempre foi assim. Por isso Deus já advertia no tempo de Moisés: “Não espalharás notícias falsas” (Êx 23:1).

Uma dessas desinformações falaciosas afirma que o nome de Jesus é uma fabricação posterior para ridicularizá-Lo ao associá-Lo ao porco e ao cavalo. Dizem que o nome original deveria ser conforme o hebraico Yehoshua e que “Jesus” seria a junção intencional de duas palavras: “Je”, que em grego teria o significado de “terra”; e “sus”, que em latim significa “porco”, e, em hebraico, “cavalo”; tal junção resultaria em algo como “o porco da terra” ou “o cavalo da terra”.

Essa ideia é completamente absurda! Não é porque há coincidência entre a sílaba de um idioma e uma palavra de outro que exista também uma relação de significados. Essa ideia é tão insana como dizer que o nome Manoel tem intencionalmente um significado obscuro: “man”, que significa “homem” em inglês; “o”, que é um artigo definido masculino em português; e “el”, que significa Deus em hebraico. Daí, Manoel supostamente significaria “Homem, o Deus”, o que revelaria uma afronta ao Deus do Céu. Sim, esse é o resultado de uma criatividade ilógica e até “maluca”. Equivale a dizer que o nome Elmar necessariamente seja uma alusão intencional ao mar, pois é esse o significado em espanhol (el mar). Ou ainda que o nome Mauro esteja ligado semanticamente ao adjetivo “mau”, pois “faz parte” do nome. Isso para não falar do nome russo Sergei (lê-se “Serguei”), que na língua original não tem nada a ver com o que parece soar em nosso idioma e talvez em outros. Da mesma forma, o nome de Jesus não tem nenhuma ligação com o significado de sus em hebraico (“cavalo”), nem em latim (“porco”).

Essa teoria de conspiração também usa o seguinte argumento: como a letra “J” só foi criada no século 16, o nome Jesus não poderia existir, pois Ele viveu mais de 1.500 anos antes disso. Como em toda boa mentira, sempre se faz uso de alguma verdade para dar credibilidade ao erro. Nesse caso, é fato que a letra “J” só foi inventada em 1524 por um gramático chamado Gian Giorgio Trissino. Mas isso não significa que o som representado por essa letra não existisse antes. De fato, a letra grega inicial usada no nome Iesous é chamada de “iota”, justamente porque seu som é uma variante entre os sons de “i” e “j”. O que Trissino fez foi criar uma forma gráfica para representar especificamente o som (ou fonema) mais propenso para “j” do que para “i”. É como o caso da letra hispana “ñ”: ela foi “criada” no século 13, mas seu som já existia séculos antes, sendo representado por “nn” ou “gn” (que em nossa língua representamos por “nh”).

O nome Jesus veio do latim Iesus, que veio do grego Iesous, que, por sua vez, é uma adaptação do hebraico Yeshua. No hebraico, as palavras que em nossa língua começam com “j” geralmente são iniciadas com a letra “yod”, que equivale ao nosso “y”. Nos textos em grego essa letra era representada pela sua equivalente chamada “iota”: Ierousalém, Ioudaia, Ionas, etc. Dizer que o nome Jesus é uma profanação de Cristo só porque não existia a letra “J” é tão sem sentido quanto dizer que os nomes Jerusalém, Judá, Jonas e todas as palavras que contêm “J” na Bíblia estão profanadas!

O nome hebraico Yeshua é a abreviação de Yehoshua, o qual traduzimos em português como “Josué”. Esse era um nome comum no Antigo Testamento, como se pode ver em 1 Samuel 6:14 e 2 Reis 23:8. Seu significado é “Yahu resgata/salva” (sendo que Yahu é uma das formas do nome de Deus). Com o passar do tempo, por questões linguísticas naturais, o prefixo Yeho foi encurtado para Ye. O próprio Josué (Yehoshua) é mencionado em Neemias 8:17 com a forma encurtada de seu nome (Yeshua).

Aparentemente, esse nome abreviado se tornou mais popular, pois há vários outros “Josués” mencionados no Antigo Testamento no formato Yeshua (ex.: 1Cr 24:11; 2Cr 31:15; Ed 2:2, 6, 36, 40; Ne 3:19; 7:7, 11, 39, 43; 12:24, 26). Esse também era muito provavelmente o nome de Jesus – Yeshua –, que em grego era registrado como Iesous. Por isso em Mateus 1:21 o anjo interpreta o nome do Menino com o mesmo significado de Josué: “Deus salvará o Seu povo”. Na Septuaginta (LXX), famosa versão grega do Antigo Testamento – produzida cerca de 200 anos antes de Cristo –, o nome hebraico de Josué é sempre traduzido como Iesous. Assim, como o nome grego Iesous é totalmente equivalente ao nome hebraico de Josué, a versão bíblica King James substitui o nome Josué por Jesus em Atos 7:45 e Hebreus 4:8.

Portanto, o nome de Jesus era muito comum em Sua época, tanto na forma hebraica Yeshua quanto na forma grega Iesous. Um exemplo disso é o homem chamado “Jesus, conhecido como o Justo”, referido em Colossenses 4:11 como um dos fiéis amigos de Paulo. Conforme alguns manuscritos antigos de Mateus 27:16, 17, é possível que o primeiro nome de Barrabás fosse Jesus (mas isso é conteúdo para outro estudo).

Como se pode notar, o nome Iesous não foi inventado para profanar Cristo, pois esse nome já existia séculos antes da era cristã como a forma grega de Josué (Yeshua). Geralmente, quem inventa (e quem espalha) uma teoria de conspiração como essa não entende nada das línguas originais que dissimuladamente usa para enganar. Por exemplo, ao dizerem que a sílaba Je significa “terra”, em grego, demonstram ignorar por completo que a palavra grega para “terra” é ge, a qual se lê como “gue” e não como “je”.

Alguém pode ainda perguntar por que os nomes mudam tanto de um idioma para outro, e se não deveríamos usar apenas o nome “original” de Jesus, Yeshua, ou até mesmo sua versão não abreviada (Yehoshua). Mas o fato é que não conseguiríamos pronunciar corretamente o nome. Como será que se pronuncia esse “Y” inicial (que é uma transliteração da letra hebraica “yod”)? Seria como um “Y”, como um “I” ou como um “J”? Ou seria como um meio-termo entre essas letras? A letra “e” seria pronunciada como um “ê” ou como um “é”? E o “u” seria como o “ü” de Müller, como o “u” francês ou o português? E ainda: Seria como o som hebraico atual ou o antigo?

Há fonemas que são muito naturais em uma língua, mas muito difíceis de reproduzir em outra. Para uma pessoa hispana, por exemplo – que não usa o fonema “ó” –, é muito difícil perceber a diferença entre os sons de “vovô” e “vovó” e reproduzi-los corretamente (faça um teste com um amigo hispano). O mesmo acontece com outras línguas. Uma vez perguntei a um amigo texano qual era a diferença de pronúncia entre as palavras year (ano) e ear (orelha). Ele pronunciou essas duas palavras como se a diferença fosse muito óbvia, mas para mim soavam exatamente iguais. Então eu percebi, depois de muita ênfase dada por ele, que o “y” deles soa de modo quase imperceptível para nós, como um tipo de “j” muito discreto e quase mudo. Assim, a palavra year (que pronunciamos errado como “iear”) soa quase como “jear”, mas com um “j” muito diferente, pronunciado meio com a garganta (gutural) e com a parte de trás do céu da boca. Talvez algo similar deva ser a realidade das letras “yod” em hebraico e “iota” em grego.

Por incrível que seja, há palavras em outras línguas que nós não conseguiríamos reproduzir nem mesmo sob ameaça de morte. Vemos um exemplo disso em um episódio da Bíblia que mostra como uma pequena variação de dialeto entre as tribos de Israel fez com que milhares de pessoas morressem por não conseguirem reproduzir corretamente uma palavra (Jz 12:6). Muitas pessoas morreriam se suas vidas dependessem de pronunciar corretamente palavras inglesas como world, girl, Connecticut, three, entre outras. Ainda bem que com Deus não é assim que funciona, como querem os conspiracionistas com suas teorias!

São questões linguísticas como essas que fazem com que um apóstolo seja chamado de Ioannes na língua em que ele mesmo escreveu (grego), e ainda de Iohan, Johanes, John ou João em outras línguas. Da mesma forma, Iácobos se tornou Jacob em inglês e Tiago em português. É difícil entender essas transformações que às vezes ficam tão diferentes, mas elas acontecem de modo natural, pois a pronúncia é inevitavelmente modificada em outras línguas e acaba se adaptando. Da mesma forma, há vários nomes de estrangeiros muito difíceis de serem reproduzidos corretamente em nosso idioma. Pense no nome americano masculino Earl em solo brasileiro! Imagine as várias tentativas dos amigos para reproduzirem esse nome: “Er”; “Ere”; “Eare”; “Erul”! O tal do Earl teria que reconhecer que seu nome é muito difícil para os falantes daquela língua e aceitaria suas tentativas.

Da mesma forma o Senhor Jesus certamente aceita o modo como O chamamos com reverência em nossa própria língua (Is 65:1). Por isso não é preciso dizer Yeshua, HaMashiah (“Jesus o Messias”) para se referir a Ele, nem HaShem (“O Nome”) para falar sobre o Pai. Não existe outro “Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó”; não há outro que possa ser chamado de “Aquele que fez o Céu, a Terra, o mar e as fontes das águas” (Ap 14:7). Ele sabe que nos referimos unicamente a Ele quando Lhe chamamos em nosso idioma de “Senhor”, de Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade e Príncipe da Paz (Is 9:6). Nesse sentido, em todas as diferentes línguas, dialetos e sotaques, “nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4:12).

(Natal Gardino é doutor em Ministério pela Andrews University e pastor distrital em Londrina, PR)