Jesus veio como Adão antes ou depois do pecado?

A pergunta do título deste post vem ocupando o tempo e os esforços dos teólogos por muitos anos. Quando o assunto é a divindade e a encarnação do Filho de Deus, é preciso tirar as sandálias e estudar o assunto com muita humildade, guiados pelo Espírito Santo, do contrário, conceitos errôneos poderão afetar não apenas nossos conceitos, mas também nosso comportamento e nossa vivência da religião. Ideias têm consequências, e isso é tão verdade com respeito à natureza de Cristo quanto com quase qualquer outro assunto que tem que ver com fé e teologia. Nosso relacionamento com Jesus Cristo e nosso conceito do que seja pecado e como vencê-lo igualmente dependem muito do que sabemos e pensamos a respeito de quem é o Mestre: Até que ponto Ele é nosso exemplo? Até que ponto Ele é nosso redentor? Como essas duas coisas se inter-relacionam? Essas perguntas merecem resposta – mas sempre tendo em mente as limitações de seres finitos limitados pelo pecado tentando compreender temas infinitos relacionados com um Ser eterno e sem pecado.

Entre os muitos textos em que Ellen White aborda o assunto biblicamente, há este: “Como um de nós, cumpria-Lhe dar exemplo de obediência. Para isso, tomou sobre Si a nossa natureza e passou por nossas provas. ‘Convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos’ (Hb 2:17). Se tivésse­mos de sofrer qualquer coisa que Cristo não houvesse suportado, Satanás havia de apresentar o poder de Deus como nos sendo insuficiente. Portanto, Jesus ‘foi tentado em todas as coisas, à nossa semelhança’ (Hb 4:15). Sofreu toda prova­ção a que estamos sujeitos. E não exerceu em proveito próprio nenhum poder que não seja abundantemente concedido a nós. Como homem, enfrentou a ten­tação e venceu-a no poder que lhe foi dado por Deus.”

Note que nos dois textos bíblicos citados por ela é usada a palavra “semelhança”. Semelhança não é igualdade. O ser humano foi criado à semelhança de Deus. Jesus veio com uma natureza humana que nós não possuímos, ou seja, moralmente perfeita, assim como a de Adão antes da queda. Fisicamente, Ele veio em desvantagem, afetado (não contaminado) por quatro mil anos de decadência humana, portanto, com a natureza de Adão depois da queda. Como segundo Adão, Ele veio para vencer onde o primeiro Adão caiu, só que com a desvantagem de não estar em um jardim, como o primeiro homem estava. Durante toda a Sua vida, e especialmente no deserto, Jesus sofreu as grandes tentações a que estiveram sujeitos Adão e Eva: apetite, dúvida da Palavra de Deus, autoconfiança, obtenção de poder. Jesus precisava vencer onde Adão caiu, não onde nós caímos. Ou Ele sofreu a tentação de ir a uma boate? De assistir a um filme impróprio? Pornografia? Drogas? Portanto, Ele não foi tentado em tudo como nós do século 21. Na verdade, foi tentado muito mais do que qualquer ser humano de qualquer época. Foi tentado a usar Seu poder divino em benefício próprio, coisa que nunca saberemos o que significa. Nossa vantagem é que, onde abundou o pecado, superabundou a graça. Podemos ser vitoriosos por meio dEle e aceitos nEle, mesmo com nossa obediência imperfeita, apenas semelhante à dEle (até porque mesmo nossas orações sobem ao Céu maculadas pela nossa natureza pecaminosa, conforme é explicado neste texto).

Seria possível ter um caráter “perfeito” (semelhante ao de Jesus), a despeito de possuirmos uma natureza pecaminosa até o dia da glorificação, na volta de Jesus? Uma coisa tem que estar necessariamente ligada à outra. Perfeição bíblica está intimamente relacionada com amor desinteressado, pureza, bondade, mansidão, enfim, vida cristã madura. E isso podemos alcançar por meio da íntima comunhão com Cristo, que é quem crucifica nossa natureza pecaminosa a fim de que ela não tenha precedência sobre a natureza “espiritual” que nos é implantada na conversão. É muito importante ler e compreender a mensagem do livrinho Santificação, de Ellen White. Nele ela diz que, assim como os saudáveis não se dão conta de sua saúde, os santificados não se dão conta de sua santidade. Muito pelo contrário, até: quanto mais próximos de Cristo, mais sentem sua pecaminosidade e carência da graça.

Para o estudioso da Bíblia Frank Mangabeira, quando o assunto é a natureza da humanidade de Cristo, “lidamos com um tremendo mistério (1Tm 3:16), que não pode ser abrangido totalmente pelos nossos termos técnicos teológicos. Nesse assunto, pisamos em solo sagrado e precisamos retirar as sandálias. Penso que, oficialmente, a Igreja Adventista tem avançado numa compreensão cada vez mais bíblica sobre a humanidade de Jesus. Esse assunto é muito importante, pois uma nublada compreensão dele pelos assim chamados pré e pós-lapsarianos compromete a compreensão do caráter de Deus e do plano da salvação. Por isso, precisamos estudar com oração esse tema, pedindo a ajuda do Espírito Santo, pois só Ele é capaz de desvendar perante nós as coisas celestiais. Só sei de uma coisa: tudo na natureza de Cristo, contemplada por mim, me levará a um senso de adoração e de ‘perfeição’ cristã sempre crescente, tendo em Sua perfeita justiça a base da minha santificação”.

Michelson Borges

Nota: Esse é um assunto realmente muito importante, apaixonante e que merece toda a nossa atenção. Sugiro dois livros para que você se aprofunde no tema: Ellen White e a Humanidade de Cristo, de Woodrow Whidden, e O Incomparável Jesus Cristo, de Amin Rodor. O vídeo abaixo é a primeira de quatro partes do estudo apresentado pelo Dr. Amin.