Os novos caçadores de mensagens subliminares

game119Dia desses conversava com um amigo designer sobre o problema de alguns cristãos quererem relacionar o cristianismo com produções hollywoodianas e certos conteúdos midiáticos. Foi quando ele me disse algo interessante e que me fez pensar: “Antigamente havia pessoas que procuravam mensagens subliminares do mal em produções aparentemente do bem. Hoje em dia há cristãos garimpando mensagens subliminares do bem em produções claramente malignas.” E não é que é verdade? Há até programas de igreja sendo feitos com base em filmes como “Vingadores”, “Walking Dead”, “Game of Thrones” e, pasme, até “Cinquenta Tons de Cinza”! O que se pode tirar de cristianismo de um filme de sadomasoquismo ou de uma série violenta e pornográfica, carregada de cenas de incesto, estupro e violência contra a mulher? O que esses programas de igreja mais fazem é divulgar essas produções e aguçar a curiosidade de quem ainda não as viu.

Tem gente tirando do contexto e aplicando incorretamente o conselho de Paulo para que analisemos tudo e retenhamos o que for bom (1 Tessalonicenses 5:21). Ali o apóstolo fala de profecias, não de filmes e séries. Será que é preciso “analisar” um filme e uma série sabidamente pervertidos a fim de garimpar neles “mensagens subliminares” do bem? De que valerá encontrar alguma eventual pérola ali depois de emporcalhar totalmente a imaginação?

Outros usam o argumento da contextualização e de se partir do conhecido para o desconhecido a fim de pregar o evangelho. Ok. Isso é legítimo e foi usado até por Jesus e Paulo, entre outros. Creio que o bom senso santificado determinará que elementos da cultura poderemos usar no evangelismo. Não acredito que nem Jesus nem Paulo deve ter estimulado sua audiência a “assistir” aos conteúdos que usaram como “ponte”. Também não acredito que eles fossem “fãs” desses conteúdos tentando incorporá-los à vivência cristã deles, misturando luz com trevas. Bom senso santificado é a resposta. Deus nos abre as portas lícitas e nós entramos por elas, sempre nos lembrando da admoestação paulina: “Não participem das obras infrutíferas das trevas; antes, exponham-nas à luz” (Efésios 5:11).

Meses atrás, uma jovem me procurou para pedir conselhos. Disse que o namorado era fã de “Game of Thrones” e que não via mal em assistir à série. Ela estava incomodada com isso e com razão, pois sabia que essa produção é uma das mais violentas de todos os tempos, exibe nudez à vontade, cenas de estupro e incesto, sem contar magia e outros conteúdos anticristãos. Eu disse que ela precisava ser firme com o rapaz. Que ele estava preparando a mente para minimizar os perigos da pornografia, que poderia carregar esse hábito para um eventual casamento, e que o momento de ele mudar era agora. Fiz uma oração com ela e prometi continuar orando pelos dois. Saí dessa conversa pensando em como especialmente os jovens desta geração, por falta de uma cosmovisão bíblica sólida, não mais veem problemas onde eles claramente estão. Pior: chamam ao bem de mal e ao mal de bem (Isaías 5:20). E então me lembrei de uma experiência dramática que vivi quando bem jovem e recém-convertido ao adventismo.

Eu estava com minha namorada (hoje esposa) em um retiro de carnaval. O sábado havia sido maravilhoso. Boa pregação. Culto jovem com momentos de estudo sobre a influência negativa de conteúdos midiáticos e música estilo rock. Momentos de oração e consagração. Etecetera. Mas chegou a noite e naquele dia haveria uma “programação humorística” preparada pelos homens para as mulheres. E então teve início o teatro dos horrores. Homens vestidos de mulher faziam piadas sem graça e apelativas. Outros apresentavam paródias de músicas e de cantores de… rock. Parecia que simplesmente estávamos negando tudo o que havíamos estudado durante a tarde de sábado. Eu havia convidado para esse retiro um amigo membro da Igreja Adventista da Reforma com o qual estava estudando a Bíblia. Nem preciso dizer que minutos depois de iniciada a tal programação ele foi para a barraca. (Graças a Deus, tempos depois, ele se tornou adventista do sétimo dia e colportor.)

Terminado o festival de bobagens, num ato meio impensado, mas tomado de uma coragem que não vinha de mim, fui à frente e pedi o microfone para fazer a oração de encerramento. Convidei a todos para que nos ajoelhássemos e pude perceber certo constrangimento no ar. Não havia clima para oração. Durante a prece pedi perdão a Deus pela incoerência do Seu povo e cheguei a derramar lágrimas. Nem preciso dizer que a situação ficou tensa, né? Alguns líderes do retiro me levaram para uma sala e me disseram coisas do tipo: “Qual o problema com nossas brincadeiras? Os jovens precisam de coisas assim, senão vão buscar lá no mundo.” Quando ouvi isso, lembrei-me de um texto de Ellen White que não fazia muito tempo eu havia lido no livro O Grande Conflito, e citei: “A conformidade aos costumes mundanos converte a igreja ao mundo; jamais converte o mundo a Cristo. A familiaridade com o pecado inevitavelmente o fará parecer menos repelente. Aquele que prefere associar-se aos servos de Satanás, logo deixará de temer o senhor deles. Quando, no caminho do dever, somos levados à prova, como o foi Daniel na corte do rei, podemos estar certos de que Deus nos protegerá; mas se nos colocamos sob tentação, mais cedo ou mais tarde cairemos” (p. 509).

Saí dali chorando e fui orar com minha namorada e com um grupo de amigos mais chegados. A coisa boa daquilo tudo foi que se formaram espontaneamente pequenos grupos de jovens aqui e acolá com o objetivo de discutir o que havia acontecido. Na manhã seguinte, recebi bilhetinhos de aprovação, apertos de mão e também alguns olhares atravessados. Pela primeira vez eu percebia como é difícil manter a coerência e abandonar coisas de que se gosta, mesmo sabendo que elas contrariam a vontade de Deus.

50 tonsEm sua segunda carta aos Coríntios, capítulo 6 verso 14, Paulo diz que não pode haver comunhão entre a luz e as trevas. O cristão verdadeiro procura pensar nas coisas do alto e selecionar muito bem os conteúdos que farão parte de seus pensamentos. Ele não deve ser um caçador de eventuais pérolas no meio do lixo. Não deve ser um caçador de mensagens subliminares do bem no meio de produções do mal. Deve é deixar tudo de lado para adquirir a pérola de grande preço. Deve ser guiado pelas balizas claras de Filipenses 4:8.

Michelson Borges

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