O balido amalequita

saulPara os que diferenciam o Deus do Antigo e do Novo Testamento, como se fossem divindades antagonistas, a sagração de Saul é uma reprimenda contundente a essa esquizofrenia teológica.

Libertos miraculosamente do Egito e testemunhas cotidianas de sinais e prodígios vindos diretamente do Céu, os israelitas desde cedo se revelaram indignos até de desprezo. Rebeldia, ingratidão, desconfiança e má vontade pontuaram a maioria dos dias de sua jornada até culminar na rejeição acintosa do senhorio de Yahweh. Exigiram um rei, pois invejavam os vizinhos iníquos dos quais haviam sido solenemente incumbidos de levar à salvação divina. Foi como se uma clínica de amparo e recuperação de drogados se convertesse numa boca-de-fumo. Ironia das ironias: de Nação Santa a Breaking Bad.

Em vez de virar-lhes as costas, o Senhor, entretanto, fez todo o possível para ajudá-los nessa aventura. Escolheu o mais belo, mais alto e mais garboso dentre o povo. Ungiu-o com a plenitude do Espírito Santo. Fê-lo até profetizar ao lado de Seus profetas para não deixar dúvidas quanto à consagração do benjamita. A seguir, Deus fortaleceu o povo hebreu e desbaratou os filisteus inimigos com terremotos e síndrome do pânico. Como paga, Saul desenvolveu progressivamente as mesmas caraterísticas dos reis pagãos, tão invejados pelo povo apóstata. Soberba, teimosia, autossuficiência, incapacidade de autocrítica, impulsividade, cólera, ganância e decisões temerárias. Uma a uma essas mazelas foram-se avolumando aos olhos do povo, até que esse compreendesse, finalmente, a loucura de sua escolha.

Dos inúmeros atos de traição de Saul contra Deus, um merece destaque pois marca sua perda irreversível ao favor divino. Cerca de quatrocentos anos antes, os amalequitas haviam cometido um crime de guerra, um dos poucos execráveis entre aquelas nações numa época em que a barbárie era o padrão: emboscaram as hostes nômades de Israel, a começar pela retaguarda, onde marchavam os mais vulneráveis – idosos, crianças, mulheres, enfermos, aleijados e cegos. Deus lhes deu quatro séculos para que se arrependessem, buscassem o perdão e a praticassem a retratação. Amaleque não somente rejeitou esse tempo de graça como também afundou ainda mais em vilanias. Restou apenas ao Senhor praticar um ato estranho ao Seu caráter: executar justiça.

Saul foi escolhido como o agente desse juízo. Recebeu instruções do profeta Samuel. Duras e precisas. Mas as sementes de sua desobediência já haviam atingido a plenitude, e agora a messe estava à mercê da foice. A macabra faxina étnica contra miseráveis condenados não tangeu um único acorde de compaixão no coração endurecido do rei, mas a oportunidade de economizar seu rebanho particular, sacrificando em holocaustos o gado amalequita, que Deus ordenara eliminar, apelou ao seu pragmatismo: se esses bichos tinham mesmo de morrer, por que não num altar em vez de a matança se dar num descampado? Saul e soldados resolveram, então, unir o enganosamente útil ao aparentemente agradável. Pouparam sua própria riqueza pecuária ao mesmo tempo em que simulavam piedade e consagração a Deus oferecendo-Lhe sacrifícios de reses nédias e viçosas. De quebra, ainda pouparam o cativo rei Agague, criminoso de guerra, anelando, provavelmente, poupar sua vida em troca de resgate. O que poderia dar errado num plano tão singelamente perfeito?

E aqui cabe uma reflexão sobre como as narrativas de incidentes na Bíblia, por pavorosos que sejam, por dispensáveis que pareçam, oferecem valiosas lições para momentos críticos na história da igreja de Deus.

Tímido e vacilante no dia de sua unção, Saul lembra um pouco a mulher vestida de Sol de Apocalipse 12; foi assessorado por anjos e fortalecido pela graça e pelo poder de Deus. Mas aos poucos também foi trocando suas vestes brancas, símbolo da justiça divina imputada, pelo escarlate da mulher de Apocalipse 17, e, como essa, se embriagou de sangue inocente em troca de manter e ampliar seu poder terreno. Culminaram, Saul e a mulher simbólica, em feitiçaria e suicídio.

Ampliemos essa comparação no exemplo da(s) mulher(es) de Apocalipse. A igreja do século 2, já na terceira geração após a morte dos que haviam convivido com Jesus e Seus discípulos, se tornou paulatinamente permeável a ideias pagãs extravagantes, completamente estranhas à pureza e à simplicidade do evangelho. Um a um os marcos doutrinários originais erodiram ante à falta de perseverança no estudo da Palavra e desprotegidos por ocasião da lenta retirada do Espírito Santo e o auxílio de Seus dons para edificação do Corpo de Cristo. A expulsão do Espirito Santo deu lugar à autoridade humana, cada vez mais presunçosa e autoritária.

Em Sua infinita sabedoria, Deus permitiu o agravamento da perseguição contra Seus filhos a fim de que esses se voltassem incondicionalmente para Ele, mas as contingências políticas e históricas dessa época foram bem aproveitadas por Satanás. O antissemitismo, que crescia ao lado do desespero e da belicosidade dos judeus perseguidos e massacrados pelo Império, levou muitos da igreja a evitar ao máximo qualquer ponto de similaridade com os execrados insurgentes. Um desses pontos foi justamente o dia de guarda. O excesso de prescrições litúrgicas quanto à observância do repouso sabático e o zelo intolerante e excludente dessa prática já eram estigmatizados pelos pagãos mesmo antes do nascimento de Jesus. Os cristãos, então, se tornaram mais discretos na santificação do sábado para não agravar a oposição e o preconceito dos antissemitas. Mas, com a chegada de Constantino ao poder, sua ilusória bonomia em encerrar a perseguição oficial contra os cristãos e mais a sua política de unificar o império periclitante sob uma religião sincrética, que congregasse pagãos e cristãos, impuseram à igreja uma decisão difícil e inevitável: santificar ou não o Venerável Dia do Sol, joia da coroa do mitraísta Constantino?

Nessa hora, falou mais alto no coração de muitos sedizentes seguidores de Cristo o espírito de Saul:

“1) O sábado fede a fanatismo de zelotes e fariseus, assassinos morais de nosso Senhor.

2) A ressurreição de Cristo marca o início da igreja, o fim da antiga aliança e a desmoralização completa de Satanás – e essa ressurreição se deu no primeiro dia da semana, coincidentemente o dia oficial de descanso do Império.

3) Pagãos têm ojeriza, justificada ou não, de judeus, mas estão cada vez mais tolerantes e até simpáticos a nós

4) Constantino devolveu nossas propriedades confiscadas, nos reconduziu aos cargos públicos de que alguns de nós haviam sido exonerados, e até nos indenizou financeiramente.

5) Se os santos apóstolos nos libertaram do pesado fardo da circuncisão, que nas Escrituras é exigência perpétua para os judeus (assim como OS sábadoS), por que nos mantermos fiéis a uma prática religiosa milenar que só é defendida (fanaticamente) pelos nossos inimigos religiosos?”

E então, lá do Céu, se ouviu o gado do vil Amaleque, balido que só tem crescido nos últimos 17 séculos, mas que se ouve SOMENTE neste planeta, e num alarido cada vez mais ensurdecedor, até atingir um uníssono a pedir a cabeça dos que não mugirem junto com a manada que Deus reluta por destruir. Mas, Ele mesmo já revelou em Sua Palavra, terá de em breve destruir.

(Marco Dourado é formado em Ciência da Computação pela UnB, com especialização em Administração em Banco de Dados)

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